É incontornável o momento que se vive
neste mês. Lembrar a acção dos militares de Abril, ocorrida há 42 anos, é
perpetuar a vontade indomável de não querermos de novo no país uma ditadura,
desumana como todas as ditaduras, onde os mais pobres não tinham voz, onde os
mais ricos detinham o poder e o domínio sobre os outros e durante a qual foram
perseguidos, presos e mortos muitos dos que ousaram levantar a mão contra o
querido líder e o seu abençoado regime.
Houve exageros durante todo o processo revolucionário.
É inquestionável. Profundos e irreversíveis, como acontece, desde sempre, em
todos os processos revolucionários. Voltaram a cometer-se injustiças, quando se
procurou, com todas as forças, inverter os papéis e se pensava que qualquer um
poderia gerir o país, ainda que, para tal lhe faltasse as “habilitações”
necessárias. Os que saíram magoados da Revolução, e sabemos que foram muitos,
gostariam que tudo tivesse sido de outra maneira. Talvez até isso tivesse sido
possível. Se, antes de Abril, o povo português não tivesse alimentado durante
décadas uma vontade indomável de querer ser livre. Depois, tal como um rebanho,
solto após anos de cativeiro, mediu mal a liberdade e acabou por repetir erros
contra os quais tinha lutado. Nunca George Orwell* tinha tido tanta razão.
Mas como viver um novo estado de coisas se tal nunca
tinha acontecido antes? Soltemos uma criança num campo cheio de flores e
verificaremos que ela, no seu entusiasmo ingénuo e com a sua inexperiência de
vida, vai acabar por colher uma grande parte, acreditando que, nas suas mãos,
ou nos vasos e nas jarras lá de casa, elas venham a ter uma maior hipótese de
sobrevivência.
*George Orwell, (1903- 1950) escritor, jornalista e
ensaísta político inglês, autor de Animal Farm (O Triunfo
dos Porcos), onde denuncia os exageros dos regimes totalitários e as
consequências das revoluções contra essas formas de governo.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Abril de 2016
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