Terça, 15 Março 2016
Estamos num país em que daqui a pouco todos nós, sem monopólio só de
alguns, vamos poder celebrar mais um ano Abril e a Liberdade.
Estamos no
Alentejo, onde antes se tingiu de vermelho uma população que gritava com a cor
o que a voz calava. Estamos numa sociedade em que todos, e cada qual, ganharam
a possibilidade e os meios de poder dizer ou escrever, poder-se fazer ouvir ou
escolher não o fazer, numa rede de comunicação acessível e sem filtros. Pois
estando nestas circunstâncias, não é que se fala, a propósito do que diz uma só
alma do Alentejo e dos que cá nasceram e gostam de o lembrar, em queimar um
livro ou espatifar o seu autor?
Não me admiro com quem destile um pouco de indignação como uma interjeição,
e não me espanta que o faça quem costuma também ocupar a vida fora das modernas
redes sociais a opinar sobre tudo o que lhe parece, mesmo não sabendo o que é.
Posso perceber que o faça quem não tenha o poder de utilizar o poder que tem ao
seu alcance de ignorar, e utilize, elaborando-a em palavras, a reação mais
básica, e dizem que saudável, de quem atira um valente palavrão depois de uma
topada do dedo mindinho do pé na esquina do móvel. Mas não entendo quem se dê a
tanto trabalho por algo que quer ver desaparecer ou tornar insignificante.
Talvez seja por me sentir mais da Humanidade do que da longitude cruzada
com a latitude. Talvez seja por gostar de me encontrar gestos, expressões,
práticas que reconheço comuns a alguns com quem cresci, ou com quem convivo há
anos, e diferentes de outros com quem escolho estar. Talvez por estar numa fase
em que os filhos, frutos do que também deles fiz, normalmente optam depois de
pensar e que, quando não o fazem, ou reconhecem uma sorte irrepetível ou
reconhecem a má escolha em si antes de a procurar nos outros. Talvez por não me
sentir ofendida quando me insultam aqueles de quem um elogio me faria
desconfiar muito mais do que ao insulto. Talvez pela intolerância com as minhas
imperfeições que me fazem tolerar as imperfeições dos outros, o que não quer
dizer que me queira misturar com quem obviamente não se quer misturar comigo.
Talvez por tudo isto, ou por algo que não consigo explicar, mais do que ouvir
só mais um a dizer umas coisas, fiquei espantada com a onda de indignação
contra um cronista que escreveu um livro e que alguns, ainda não o tendo lido,
vilipendiam, dando-lhe um capital de queixa equiparado ao do nosso Nobel da
Literatura em tempos de um tal Sousa Lara, num Abril dos idos anos de 1992, a
propósito do Evangelho Segundo Jesus Cristo.
O Vergílio Ferreira, que tinha esse tremendo hábito de pensar e de, depois
de o fazer, escolher bem as palavras para o dizer, escreveu uma vez este
pensamento: «Para ajuizar do que é inferior é preciso ser-se superior. É por
isso que um imbecil facilmente se julga um génio.» Duas frases que não deixam
de fora nenhum dos protagonistas de mais um episódio em torno dos livros em
Portugal. Isto diz bem da falta de educação, também literária, da nossa
Democracia. Mãos à obra, então!
Até para a semana.
Cláudia
Sousa Pereira
1 comentário:
Nota do autor:
Se algumas das frases da poesia forem iguais às do artigo, Manhas… É pura coincidência.
Livros polémicos, ou não?
Fiquei espantada, eu…
Com a onda de indignação
Contra um cronista que, então,
Uma entrevista deu,
Sobre um livro que escreveu…
Uma espécie de ave rara,
O Virgílio Ferreira, declara:
Para ajuizar do que é inferior,
É preciso ser-se superior!
Lembrando um tal Sousa Lara…
por algo que não consigo explicar,
Duas frases que não deixam de fora
O ex Presidente que Lara, condecora!...
tremendo hábito de pensar
e gostam de o lembrar…
dando-lhe um capital,
Que já só com o Santo Graal
A paz teria retorno.
mais um episódio em torno
dos livros em Portugal!
De: Jerónimo Major
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