quinta-feira, 19 de novembro de 2015

VASCULHAR O PASSADO - Mensalmente Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos,tradições usos e costumes de outros tempos

                
 Situado na berma da Estrada Nacional n.º 2, a pouco mais de 12 km de distância da sede do concelho, na direcção de Mora, o antigo povoado de S. Geraldo, implantado na Repoula (de Iben Arrapolo) foi classificado como freguesia rural pelo Regime Monárquico. A sede desta subdivisão do concelho, estava sedeada junto à ermida que possui o seu nome. Extinta em 1936, foi integrada na Freguesia de Nossa Senhora do Bispo.
            Segundo Mestre Túlio Espanca, a Igreja Paroquial de S. Geraldo já existia no reinado de D. João III como Comenda da Ordem de Santiago e estava anexa a Nossa Senhora do Repouso. Desmembrada desta Ordem pelo arcebispo D. José de Melo, simultaneamente a outras, passou para a Mitra Eborense.
            Está voltada na linha ocidente numa baixa acentuada, com adro e passal. Possui portal simples, de granito, arquitravado. Tem frontão triangular rematado por cruz de mármore e volumosos pináculos piriformes, nos acrotérios. A cimafronte é composta por memória azulejar de esmalte branco e decoração azul, atingida por malfeitorias representando um ex-voto da seguinte legenda:
M. º QUE FEZ / N.ª S.ª DO ROSÁRIO / A ALVARO  IOZE / DE ARV.º / ANNO DE 1727
                A Virgem e o Menino estão enquadrados por pomposo pórtico de colunata compósita. Tipo de fabricação lisbonense.
            A torre sineira, de secção quadrada e de quatro olhais escaiolados, apenas com um sino de bronze, moderno, é sobrepujada de agulha piramidal, ladeada por grelhas de tijolo, simples e angularmente rematada de coruchéus espalmados, de alvenaria.
            A abside, quinhentista, é reforçada, nos extremos, por gigantes angulares. Todo o resto do edifício parece confirmar uma substancial reforma dos sécs. XVII-XVIII.
            O interior dispõe-se em planta rectangular. A nave, de alçados caiados de branco e cobertura de meio canhão, de alvenaria desadornada, tem três capelas laterais, vasadas em profundidade e de arcos redondos, moldurados, vendo-se, nalgumas, vestígios esgrafitados. Não têm hoje obra de talha mas modestos nichos que dão pelos onomásticos:
            “Altar de Nª Sª do Rosário” (Evangelho) – A respectiva confraria conservou-a adornada enquanto teve vida legalizada; em tempos ulteriores designou-se de “S. Lourenço”, porque nele se recolheu uma imagem de madeira estofada, deste santo, proveniente da destruída igreja paroquial sita no antigo termo regional.
            “Altar de S. Sebastião” (Epístola) – Conserva a escultura padroeira, de lenho policromado, da arte popular, seiscentista. Mede, de alt., 72 cm.
            “Altar das Almas” – tem crucifixo modesto e um “S. Miguel”, também de madeira estofada, que mede, de alt., 75 cm. Outra escultura antiga, de factura anterior, de madeira e igualmente de inspiração populista, se venera no recinto – “S. Brás”, na medida de 90 cm.
            O púlpito, é de base quadrada, marmórea e balaustrada de colunas torneadas, de lenho escurecido.
            As pias de água benta, parecem obra de fins da centúria de quinhentos: uma é redonda, ornamentada por lóbulos e a outra, de secção octogonal, está revestida de cordão contínuo.
            A capela baptismal, pequenina e baixa, é de planta quadrada e cúpula hemisférica, assente em trompas lisas. Pia granítica, poligonal e base cúbica de cunhas angulares, esculpidas.
            No corredor central da nave, quase na boca do presbitério, em campa de mármore muito atingida pelo tempo, está sepultado um jovem paroquiano rememorado com esta legenda truncada:
S.ª DE ME. ‘ FRAZ MAN / SEDO SOLTR.º F. DE S... / Nada se lê da terceira linha. / Séc. XVII.
            “Capela-Mor” – Igualmente de secção quadrada, tem os prospectos caiados de branco, mas vislumbram-se, subjacentes, ornatos murais de época indefinida. A abóbada nervurada, de aresta viva e chaves de pedra, cilíndricas, de intenção flórica, e a axial cordiforme; mísulas prismáticas, também de granito (c.ª de 1530).
            O retábulo, de talha dourada e esculpida, do estilo barroco, com colunelos salomónicos revestidos de aves e pâmpanos, é obra de provável factura eborense, do reinado de D. João V (c.ª de 1730). Tímpano envieirado, guarnecido de anjos simbólicos, carnudos. O trono, coetâneo, de alçados recobertos de folhagem e fundo de anjos enriquecendo um belo resplendor de raios alternados, em relevo, é de talha dourada e policromada. No centro, em base trabalhada, venera-se “Nª Sª do Rosário”, a imagem de roca com o Menino Jesus, com grande coroa de prata dourada. A escultura, de alvores de seiscentos, que parecia divinizada na expressão de fr. Agostinho de Santa Maria, recebeu nova encarnação na última década de 1690, em oficina de imaginário de Évora, por ordem do visitador da arquidiocese, Dr. Manuel Álvares Cidade, sacerdote natural de Montemor-o-Novo e piedoso devoto da “Virgem”.
            Nas consolas laterais, bem esculpidas, conservam-se “S. Geraldo”, de pedra de Ançã, peça estofada do tipo oficinal do período manuelino derradeiro, que mede, 70 cm., e  “S. Pedro”, de madeira e factura popular, arcaizante mas ainda de fins da mesma centúria. Mede, 80 cm.
            No pavimento da capela subsiste uma sepultura com letreiro, de mármore branco, que reza assim:
S.ª DO P.º GRIGORJO / DOLIVEIRA.  E  D.  S. / RDÕS. FLC.º  A  2 / DE  FR.º  D.  1620  ANÕS
                A sacristia, com tecto de caixotões de madeira fasquiada, apenas mantém, na parede, o lavabo de mármore, com frontão envieirado, volutas e pináculos rematados por urnas do estilo barroco, seiscentista. Guardam-se nela, alguns ex-votos de “Nª Sª do Rosário”, todos do séc. XIX. Subsistem, em depósito, num caixão de madeira exótica, muitos e bons paramentos bordados a oiro e matriz sobre seda, cetim e damasco de várias cores, dos sécs. XVII-XVIII, alguns de tecelagem lionesa, com realce para capas de asperges e casulas (uma de sebastos da Renascença); belo pálio e frontais de altar; galhardetes da Irmandade de S. João Batista (?), de damasco vermelho e placas pintadas a óleo nas duas faces, umbelas, etc.
            Das alfaias de prata, apenas existe, com algum merecimento artístico, um tardio “cálice” sobredourado, de falsa copa com aplicações arrendadas dos habituais atributos eucarísticos, de c.ª de 1800 e do estilo rococó, punceolado no Porto e tendo marcas de ourives, na base circular: M. G. que mede, de alt., 25 cm; e uma “Cruz Processional”, de latão, lisa, de braços arredondados e do tipo seiscentista.
            Dimensões da igreja: nave – comp. 12,00 x 5,30 m; capela-mor – 3,80 x 3,80 m.
           
A milagreira Fonte Santa

            Situada na margem esquerda da Ribeira de Lavre, em sítio muito pitoresco, da Herdade da Comenda da Igreja, a cerca de 500 m do adro da igreja, existe uma nascente de águas do termo, considerada milagrosa, que passou a ser designada de “Nª Sª do Rosário da Fonte Santa”.
            Voltada para o lado sul e edificada em alvenaria fortemente carregada de caio alvinitente, dos fundamentos seiscentista nada conserva de memorável arquitectonicamente. De planta quadrada e aberturas de arcos redondos, moldurados, encontra-se envolvida por pilares, murete e bancos de repouso em ruínas, outrora recobertos por túneis de verduras destinados ao lazer dos peregrinos. Tem cúpula de secção piramidal ladeada, nos acrotérios, por pináculos do mesmo tipo; na dianteira, cruz de mármore com inscrição de impossível leitura, sotoposta ao emblema do Redentor - J. H. S. O corpo interno, vandalizado além da nascente de mergulho, com caleiras para o exterior, mostra vestígios de apainelados de tinta-de-água, geometrizantes, nos alçados e altar de estuque, sobrepujado de nicho, obstruído, onde a devoção popular mandou erguer um registo azulejar, policromo, do tipo do Rato, com moldura elíptica, figurado por “Nª Sª do Rosário” (fins do séc. XVIII). O arranjo do pequeno edifício parece do ocaso de novecentos ou dos primeiros anos do século XIX.

Assalto à igreja
           
             Na madrugada de 28 de Dezembro de 2001, a Igreja de S. Geraldo, foi vítima de assalto, tendo sido roubadas seis imagens, um cálice, uma salva em prata e um crucifixo em madeira. Os meliantes levaram ainda a coroa, de prata dourada, pertencente à imagem de Nossa Senhora do Rosário, que se encontrava no altar da igreja, e o menino que a Santa tinha ao colo. Só não levaram a imagem porque está assente numa estrutura de madeira.
            O (s) gatuno (s) terão entrado na igreja através do arrombamento da porta principal.
            Uma das imagens furtadas, e a mais valiosa, representa S. Geraldo, o patrono da aldeia, uma escultura de pedra ancã, estofada, do período manuelino (cerca de 1.500), com 70 cm. de altura.
            Esta imagem, recorde-se, esteve exposta em 1996 na Galeria Municipal de Montemor-o-Novo, por ocasião da Exposição “Montemor-o-Novo na Época da Expansão Marítima” que comemorou nesse ano as reuniões das Cortes de 1495 e 1496.
            Outras peças roubadas representam S. José, S. Pedro, S. Miguel, S. Sebastião e uma outra imagem que não se sabe ao certo se representa S. Lourenço ou S. Brás.
            Os que vieram fazer isto sabiam exactamente o que procurar, porque não tocaram nas outras imagens que consideraram de menor valor material. Já tinham escolhido o que queriam. Nem sequer mexeram em mais nada.
            A Guarda Nacional Republicana e a Polícia Judiciária tomaram conta de mais este roubo de arte sacra
            Catorze anos depois, ainda não há notícias do paradeiro das imagens.

Novembro/2015
  Augusto Mesquita

 in “Folha de Montemor” Novembro 2015. Reprodução autorizada pelo Autor

















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