Quinta, 05 Novembro 2015
Durante anos foi sendo incutido, em
particular nos mais pobres e desprotegidos, a ideia de que a grande injustiça
era a existência de pobres menos pobres.
Fomentando a inveja social entre os que ganham quinhentos euros e os que
ganham seiscentos, entre os que têm reformas de miséria e os que recebem
rendimento social de inserção, entre os desempregados que recebem subsídio de
desemprego e os que não recebem, entre os que têm médico de família e os que
não têm.
Os exemplos poderiam continuar e todos
nos lembraremos sempre de mais um desabafo de indignação contra os pobres de
outro género ou intensidade de pobreza.
Este fomentar quotidiano, em particular
por parte de uma certa comunicação social que vive da exploração desse
fenómeno, tem como claro objectivo desviar as atenções das verdadeiras razões
da pobreza, dos seus responsáveis e beneficiários.
Quanto mais duras são as condições de
vida para a maioria, mais eficaz se torna a passagem desta insidiosa mensagem que
vende jornais e horas de televisão.
Não é por isso de estranhar que quando
se anuncia que os refugiados que chegarem ao nosso país terão assistência
médica gratuita, se levantem vozes de indignação contra essa medida, em
particular por aqueles que estarão mais próximos (embora muito distantes) das
condições dos que agora chegam.
Protestam contra a atribuição de
assistência médica gratuita a quem foge da guerra e da fome, mas falta-lhes a
consciência para protestar contra os responsáveis pela guerra.
Protestam contra a atribuição de um
tecto a pessoas que viram morrer os seus familiares mais próximos e arriscaram
a vida para não terem sorte idêntica, mas falta-lhes consciência para protestar
contra uma política de habitação que os atirou para os braços da usura bancária
com a miragem de que assim teriam casa própria.
Não é fácil discutir serenamente com
quem argumenta da forma mais básica, olhando para a realidade sem querer saber
como ela foi moldada e é por isso que o populismo mais abjecto vai fazendo o
seu caminho.
É muito mais fácil atirar uma frase
lapidar, que parece verdade, do que desmontar o pensamento que está na origem
dessa conclusão, irrefutável para quem a afirma.
Quando hoje vi passar em rodapé num dos
canais de televisão a frase “refugiados terão médico de família e não pagam
taxas moderadoras”, senti uma náusea.
Será que quem mandou colocar aquela nota
de rodapé estava à espera que os refugiados trouxessem euros para pagar a taxa
moderadora? Ou defenderá que não se preste assistência médica a refugiados que
aceitámos receber?
Aos que passaram o resto do dia a
protestar contra algo absolutamente natural, que é a prestação de cuidados
médicos a quem precisa, independentemente da sua condição, nacionalidade,
origem étnica, credo religioso ou a sua ausência, sugiro que protestem contra
quem, de forma grosseira, vai apontando inimigos imaginários para que nunca
vejamos a mão que segura o fio da marioneta.
Até para a semana
Eduardo Luciano
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