Terça, 10 Novembro 2015
O ambiente político anda no mínimo
interessante em Portugal. Há uma espécie de comemoração de acontecimentos de há
pouco mais de uma geração atrás, com alguns protagonistas que não sendo
propriamente novos não poderão, à exceção talvez de Jerónimo de Sousa,
argumentar, como há 40 anos, estarem ainda a sentir na pele o quase meio-século
de um regime totalitário fascista.
De facto, os principais atores políticos do momento queixar-se-ão ou dos
últimos austeros 4, ou dos democráticos 40 em que não estiveram no governo.
Aparentemente, o que resultou das eleições de 4 de outubro poderia dar
oportunidade a partidos que nunca estiveram no poder central para exercer
ministérios e assumir essa outra responsabilidade na Política que é governar.
Parece que assim não será e, num remix inédito, muito se
discutiu, acordou, concordou para se manter a alternância que tantos dos que a
permitem agora vilipendiaram.
Parece também que este governo de um
partido, que alguns considerariam há 4 anos atrás tão de direita como o que
será derrubado no Parlamento, volveu à esquerda. Se não o fez já ou fará logo
que empossado, terá então de inaugurar-se em Portugal todo um novo léxico para
designar os lugares ideológicos. É que ficam, os mais distraídos destes
assuntos e que é bom de ver serão a maioria dos Portugueses, um pouco
baralhados e com falta de uma mediana como termo de referência. A alguém
servirá, num futuro que me atrevo a palpitar não muito distante, esta mudança
para parte incerta dos jeitosos conceitos da esquerda e da direita no mundo dos
Partidos.
O “meu” autor que viveu com 60 anos o 25
de abril teve à época alguns dissabores por não se ter querido encaixar
militando em partidos que, pasme-se, detinham efetivamente por aqueles anos o
monopólio da edição de livros e da instituição cultural que é a crítica
literária. Talvez por isso, num dos seus últimos livros que intitulou Pensar,
ouvimos Vergílio Ferreira a refletir sobre estes lugares medidos a partir de um
eixo que nos querem fazer imaginar, dizendo: Os políticos que se dizem
de esquerda, por ser o bom sítio de se ser político, estão sempre a afirmar que
são de esquerda, não vá a gente esquecer-se ou julgar que mudaram de poiso. Mas
dito isso, não é preciso ter de explicar de que sítio são os actos que a
necessidade política os vai obrigando a praticar. Como os de direita, aliás,
que é um lugar mais espinhoso. O que importa é dizerem onde instalaram a sua
reputação, na ideia de que o nome é que dá a realidade às coisas. E se antes
disso nos explicassem o que é isso de ser de esquerda ou de direita? Nós
trabalhamos com papéis que não sabemos se têm cobertura, como no faz-de-conta
infantil. Mas o que é curioso é que o comércio político funciona à mesma com os
cheques sem cobertura.
Ser-se de esquerda ou de direita não é o
mesmo que se ser canhoto ou destro. Nem mesmo já numa época em que não se
contraria esse jeito de segurar as coisas com as mãos. Mais do que nunca, e
apesar da dificuldade que é definir outros nomes abstratos mas que nos tocam o
dia-a-dia, é preciso saber-se como se atua não à direita, nem à esquerda, mas
norteados pelo sentido de justiça, com coragem, sabedoria e moderação. Soa a
virtudes cardinais a uma distância platónica? Pois soa, mas ninguém disse que
era fácil.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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