quinta-feira, 18 de junho de 2015

VASCULHAR O PASSADO - Rubrica mensal de Augusto Mesquita

                        Ermida de Nossa Senhora da Paz ... e não só…
 Diz a lenda, que corriam os primeiros anos do século dezasseis, e Maria Ana da Câmara, descendente do donatário da ilha de S. Miguel, era uma jovem monja clarissa do Convento de Santo André em Vila Franca nos Açores. Aí ouvia as velhas freiras narrar histórias terríveis de guerra e cataclismos acontecidos ali na vila. A jovem religiosa entristecia-se com essas desgraças e pedia a Deus a paz entre os homens.
Uma vez, quando estava a rezar, viu uma pomba branca pousar-lhe no ombro e segredar-lhe que a Mãe de Deus daria a paz à vila se, sob a sua invocação, fosse levantada uma ermida no monte que se erguia em frente à cela.
Nos montes em redor trabalhavam muitos pastores. Num certo dia, alguns deles recolheram-se a uma das grutas ali existentes e encontraram uma imagem de Nossa Senhora. Admirados com o achado, levaram-na para a Igreja Matriz, onde a entregaram ao pároco. No dia seguinte, os pastores encontraram novamente a imagem, na mesma gruta. Reconduzida à Matriz, o fenómeno repetiu-se por alguns dias, até que o povo compreendeu que a imagem desejava ter uma ermida naquele sítio. Os materiais de construção começaram a ser transportados para um local mais abaixo da gruta, lugar mais abrigado dos ventos fortes, iniciando-se os trabalhos. No dia seguinte, entretanto, quando os trabalhadores chegaram para iniciar o dia de trabalho, encontraram o local revirado, e as pedras colocadas no local onde a imagem fora encontrada pela primeira vez. Nesse sítio, então, foi erguida a Ermida de Nossa Senhora da Paz, com o Menino Jesus ao colo, tendo na mão um ramo de oliveira.
A notícia, depressa atravessou o Atlântico, e em muitas terras do país foram construídas capelas em honra de Nossa Senhora da Paz.
Em Montemor-o-Novo a ermida foi edificada na actual Cândido dos Reis, em data imprecisa da segunda metade do séc. XVI. A irmandade cedeu o templete no ano de 1578, às beatas comunitárias de Nª Sª da Luz, que o utilizaram regularmente até 1582, período em que se mudaram para o recolhimento fundado no Rossio da Porta do Sol. Nos fins do séc. XIX, extinta a respectiva Confraria, encontra-se sem culto e quase abandonada: em 1910 sofreu explorações de monta, que abrangeram o recheio mobiliário e a sacristia, absorvida como imóvel utilitário no regime de propriedade particular.
O edifício, de fundação quinhentista, tem frente na linha do sul, com pitoresca frontaria de pilastras angulares e portada moldurada de verga recta, de mármore de Estremoz, enobrecida por ancho retábulo de azulejos decorados a azul, com moldura octogonal e filetes naturalistas, ainda dentro da tradição barroca, figurado pela imagem titular com a seguinte legenda cronografada:

N.      S.  /  DA  PAZ  /  ANNO  DE  /  1729

Sobrepujante eleva-se o frontão com o enrolamento, de volutas e fogaréus agulhados e piriformes, nos acrotérios, de alvenaria, centrado por cruz de pedra: telhado de linhas radiadas cavalgado por lanterneta porticada, de remate esferoide, alva de cal, populista.
 Na ilharga do ocidente, sem sino, conserva-se o campanário de empena circular, ladeado de pináculos.
O interior dispõe-se numa nave de planta quadrada (6,10 x 6,10 m), com arcadas cegas, apilastradas, de volta redonda, e cobertura cupular de secção octogonal, assente em pendentes lisos. Alçados revestidos de quadros geométricos, de tinta-de água, modernos, ocultando composição losângica e discoide, escaiola, mais antiga.
O altar-mor, vazado numa arcada falsa, é da reforma de 1928; nos prospectos laterais, em forma retabular, beneficiados ou feitos integralmente no mesmo período, vêem-se as imagens pintadas a óleo, de S. José e Santo António, de carácter popular.
Bom Crucifixo, de marfim, do tipo indo-português e muito patinado pelo tempo, se venera no local: mede, de alt. 32 cm. A imagem padroeira, de roca, é antiga, mas não tem valor artístico. Em mísulas laterais, pregadas nas paredes, expõem-se duas boas esculturas de madeira estofada e dourada, de factura portuguesa do séc. XVII, representando a Virgem com o Menino (alt. 85 cm) e S. João Baptista (alt. 1,00 m).
Outra imagem, também de lenho, reimcarnada, proveniente da Igreja Matriz de Nª Sª do Bispo, se guarda na ermida – Cristo da Coluna, peça mais tardia e de menor mérito concepcional (alt. 1,12 m).
As bases e degraus do actual púlpito, com caixa de ferro forjado, simples, são os restos de outro, de mármore, provavelmente o primitivo quinhentista.
Esta ermida funciona como “Capela dos Passos”.
Há mais de uma década, que este espaço religioso é utilizado pela Acção Social das Paróquias. Esta instituição rege-se pela doutrina social da igreja, e orienta a sua acção de acordo com os imperativos da solidariedade, dando resposta às situações mais graves de pobreza e exclusão social. Apoia mensalmente mais de três dezenas de famílias através de alimentos fornecidos pelo Banco Alimentar, vestuário, e pagamento de contas domésticas, fundamentalmente pagamentos imediatos de luz, gás, água e medicamentos.
Face à situação de pobreza que se vive, os voluntários não conseguem dar resposta a todos os pedidos de auxílio, mas, como afirmou o Cónego José Morais ao Programa 70 x 7 da RTP 2, “não resolvem todos os problemas, mas pelo menos vão minorando as dificuldades”.
Mas, infelizmente a situação agrava-se a cada dia que passa, apesar de, cento e dez mil portugueses terem emigrado apenas em 2013. Segundo o Observatório da Emigração, Portugal é hoje o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da sua população residente. O número de emigrantes portugueses supera os dois milhões, o que significa que mais de 20% dos portugueses vive fora do país em que nasceu.
 Mesmo assim, de acordo com o Relatório da Crise da Caritas Europa, emitido em 2015, “entre os 28 estados-membros, Portugal foi o país da Europa onde o risco da pobreza ou de exclusão social mais aumentou: 2,1 pontos percentuais”. A Caritas refere ainda, que em Portugal mais de seiscentos e quarenta mil jovens e crianças estão na pobreza.
Estes números funcionam como um atestado de incompetência para todos aqueles que nos (des)governaram, e também, para os políticos que passaram e se mantêm, no XIX Governo Constitucional, conhecidos como “os obreiros do tal país imaginário”.
Ainda em relação à situação de pobreza que se vive, consta que, perguntaram à menina do Barreiro, a quem Passos Coelho prometeu que não haveria cortes nos salários, e que o 13,º e 14.º mês eram intocáveis, o que pedia ela ao Pai Natal. A resposta não se fez esperar: em vez de brinquedos, eu quero… que os políticos eleitos cumpram as promessas feitas.
 Será que o Pai Natal aprova o pedido?

Augusto Mesquita  - Junho 2015
 Publicado in “Folha de Montemor” – Junho 2015 – transcrito com autorização do Autor


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