sexta-feira, 19 de junho de 2015

UMA ESTÓRIA DA AUSENDA

Naquela manhã, de fim de Outono, como sempre, Fortunato (Nato para os íntimos) conduzia o rebanho para a Herdade do "Maneta", onde a pastagem (luzerna... dada a época do ano) parecia não ter fim na imensidão da planície, acompanhado do "Farrusco", rafeiro fiel e bom para alinhar o gado.
Como sempre, também, depois de atravessar a "Azinhaga do Ginete", os seus olhos procuravam, avidamente, a janela do sobrado da casa do tio Artur, seareiro que há cerca de dois anos, ali se instalara, com a família, vindo, sabe-se lá de onde - para o Nato isso pouco importava -. Importava sim, era o lindo rosto da Rosita que, como uma miragem, o espreitava até desaparecer por trás do "Cabeço Velho". Todavia, naquela manhã, Rosita não assomou à janela! "Má sorte".
...
Filho de pastor (sempre de rebanho alheio), Nato era um rapazinho vivaço, alegre e muito esperto. Marcou muito a minha meninice porque, vivíamos, paredes meias, brincávamos as mesmas brincadeiras, tínhamos os mesmos gostos ... mas não tínhamos os mesmos privilégios que, outras crianças que, nós conhecíamos, tinham. - Essas coisas... ficam para outra história -
...
Chegados aos sete anos, fomos para a escola e ali sofremos o choque da separação: Meninas para a secção feminina e meninos para a secção masculina.
Claro que, as crianças superam tudo e no fim das aulas lá voltávamos a ser inseparáveis.
...
O pior foi quando o seu irmão, o Quim teve que ir cumprir o Serviço Militar e o Nato teve que substituí-lo como "ajuda" do pai. Que desgosto ter que abandonar a escola! E tanto que ele gostava de aprender a ler, a escrever e a contar!.. Chorámos, abraçados... até que o Nato, limpando as lágrimas dise: "Quando o Quim terminar o Serviço Militar eu... volto à escola". Voltamos a abraçar-nos... desta vez, esboçando um sorriso, meio amarelo mas sorriso.
Só que, o Quim, quando deixou a tropa, foi para a Alemanha e por lá ficou.
...
O Nato não podia abandonar o pai!.. Foi este que, um dia "abandonou" o filho, não resistindo a uma malvada doença que nem se chegou a saber o que foi.
Nato, sozinho, não podia tomar conta daquele rebanho tão grande e então, acertou-se com outro patrão que tinha uma menor quantidade de ovinos.
...
Enquanto isto, tinham decorrido dez anos durante os quais, eu só via o meu amigo quando ele vinha "à roupa".
O novo patrão tinha as pastagens próximas da aldeia e o redil situava-se ao fundo da "Azinhaga do Ginete".
Foi assim que o Nato acabou por conhecer Rosita o que lhe causou uma inquietação jamais experimentada!
Dada a mudança na sua vida, o Nato passou a dormir em casa e voltámos a ver-nos com regularidade, passando a nossa relação, das brincadeiras antigas, a confidências sérias e actuais.
Eu estava a par da sua paixão silenciosa pela Rosita e aconselhava-o, encorajando-o, a falar com ela. Porém, Nato tinha receio que, alguém visse e contasse ao pai dela e este não achasse bem. "Não quero criar problemas a, nem com alguém. Tens que me ensinar a escrever e a ler bem para eu redigir uma carta para ela. Está a aproximar-se a época do acarro e, enquanto o gado se refugia do calor, debaixo da azinheira grande nós sentamo-nos naquela rocha a que chamávamos banco, como fazíamos em crianças, lembras-te? Aí, eu e antes do Inverno começar, estarei apto a pôr no papel tudo o que me vai na alma"
...
Não foi difícil porque o Nato, além de ser dotado de uma grande inteligência, tinha uma vontade de ferro para aprender e, não havia esquecido nada do que aprendera na escola, no pouco tempo que a frequentara.
Lá escreveu a tão almejada carta - cujo conteúdo eu não quis saber - e no dia anterior "Àquela Manhã de fim de Outuno"- Nato que, não queria intermediário, apanhou no chão uma pedra, embrulhou-a na carta que só tinha o seu cunho e o seu punho e através daquela janela, por onde a sua amada o espreitava, fê-la entrar na casa onde supostamente ela a iria ver.
...
Arrependeu-se de o ter feito no momento em que lhe escapou a frase "Má sorte"....
Pois pensou que a Rosita não gostara do seu atrevimento e... sem afastar os olhos da janela continuou a andar até que, sentiu alguém a aproximar-se dele. Parou e incrédulo viu a Rosita na sua frente, sorrindo e por entre aquele sorriso disse-lhe: "MEU AMOR"
...
Ausenda Ribeiro


2 comentários:

Anónimo disse...

Recordando Vitorino Menésio na celebre frase "se bem me lembro", não me lembro de te ler uma prosa.
Parabens por esta história pastoricia sempre bemvinda na recordação às nossas raízes.
Um beijinho e um abraçp ao Tói.
Helder

Anónimo disse...

Parabens, Auzenda, por esta história pastorícia que nos leva às nossas raízes, à tranquilidade dos campos, ao sossego da alma, exptuando a do Nato atormentado pela paixão da Rosita.
Bonito.
Beijinho e um abraço ao Tói.
Helder