segunda-feira, 18 de maio de 2015

PESSOAS QUE NÃO ESQUECEMOS

                                                           O FRADE E O ALTININO
 Quando ainda gaiato, ouvia falar do Frade. Do mesmo se dizia, que gostava de meter a mão no alheio, e volta e meia, quando a hortaliça desaparecia das quintas, ou as galinhas dos galinheiros ou a fruta das árvores o culpado era sempre o mesmo: Foi o Frade.
Depois de o conhecer, e de com ele ter convivido, pois até foi meu vizinho (e bom vizinho, diga-se de passagem), também companheiro de caçadas, duvido que o epíteto de que era acusado fosse verdadeiro. Que era “esperto” lá isso era, que não estava para se submeter à escravidão dos trabalhos do campo, preferindo antes “governar-se” do que a natureza lhe dava, como dedicar-se à apanha de cogumelos, de espargos, de azeitonas sem dono, de caça por meios proibidos, como passear-se por coutadas, pois e muito bem, porque haviam os ricos usufruir só para eles, o que a natureza deu para todos?
Não digo, que de vez em quando, quando a necessidade apertava, e se algo estivesse à mão não lhe dissesse que não, mas daí a ser sempre o bode expiatório de tudo que desaparecesse, isso não.
Já na minha adolescência, e quando o Frade não residia no Alandroal, ouvia contar que o mesmo fazia parceria pelas ruas de Lisboa com o Altinino (personagem que só muito mais tarde vim a conhecer), e dos quais se contavam “histórias” de partir o coco a rir, sempre com o fito de se governarem à custa  da ingenuidade alheia. Não posso confirmar a veracidade das histórias, mas que as mesmas se revestiam de inteligentes estratagemas, lá isso é verdade. Contava-se que um dia o Altinino se fazia deslocar numa cadeira de rodas empurrada pelo Frade, simulando o irmão paralítico que vivia da caridade das esmolas que o irmão lhe arranjava. O pior foi quando um carro desgovernado se precipitou de encontro à cadeirinha de rodas. Pernas para que vos quero. Desataram em desabrida correria, gritando desabridamente: Milagre...milagre!.
Voltaram ambos ao Alandroal.                                                                     
Como já disse, o Frade foi meu vizinho. Nunca vi que violasse a Lei em qualquer aspecto. Frequentemente me presenteou, com “coisas” que a natureza lhe dava, como cogumelos azeitonas pisadas e atalhadas, um coelhinho de vez em quando. Quando o Altinino regressou para o Alandroal, desempenhou as funções de contínuo da Sociedade Artística, substituindo Mestre Zé Luís. Governava-se com a exploração do bar, a percentagem das cotas, tinha casa, água e luz...enfim o mínimo para se ir aguentando. O pior é que na altura jogava-se “forte e feio” à batota e o Altinino: chapa ganha, chapa jogada, chapa perdida...o que dava azo a grandes brigas com a esposa D. Prudência. A coisa atingiu tais proporções que as discussões eram permanentes e não raras vezes com ameaças veladas.
Como bom alentejano, que me prezo de ser, tinha por hábito, com o meu saudoso amigo Zé Colunas, depois do serviço, ir “malhar” umas tapas e na esperança de nos divertirmos com a eminente “briga”, “poisávamos” no Altinino. Mas nada...
Até que um dia de manhã a Vila acordou com “a novidade” o Altinino deu uma sova na mulher..,
À hora habitual lá nos apresentamos, ao balcão da Sociedade, e eu com muito má cara, digo para o Altinino: Hoje não quero nada... vem a gente todos os dias aqui a gastar o nosso à espera que desses uma sova na D. Prudência, e logo no dia em que cá não viemos é que te resolveste...
Quem me havia a mim de dizer que a dita Senhora estava por detrás da chaminé, que era coberta por uma cortina, o que me impedia a visibilidade. Chamou-me tudo... meti o rabinho entre as pernas, e ala que se faz tarde. Só parei em casa.

Xico Manel



5 comentários:

Anónimo disse...

Xico
Tenho memória destes dois nomes de nossos conterrâneos, mas o seu perfil escapa-me. Vê se consegues dar algumas dicas nesse sentido.
A "estória" passada em Lisboa já a tinha ouvido: é de fartar a rir... mas acho que é mítica. Contaram-ma com a roda do carrinho do "aleijadinho" presa na linha do elétrico... Gostávamos de saber se há alguma testemunha viva do acontecimento.
Quanto à cena da Artística, calculo que ainda hoje deves ter as orelhas a arder (entre marido e mulher ninguém meta a colher).

Um abraço
AC

Anónimo disse...

Para o Chico e para o AC:
Míticas ou não, há várias "estórias" muito mais antigas que falavam dum grupo do Alandroal que operava em Lisboa. Era um grupo que meio a sério meio a brincar levava uma vida de "boavaiela" que chegou a incomodar algumas máfias devidamente organizadas. Tenho alguns episódios escritos que retratam cenas absolutamente incríveis. Míticos ou não, foram-me contados de viva voz. Alguns dos intervenientes não os conheci pessoalmente, mas, avaliando por várias conversas que ao longo dos anos mantive com o "Zé Tadarra", aquele grupo tinha que se lhe dissesse. E lá estavam muitos dos alandroalenses ilustres que viveram em Lisboa.
E mais não digo porque a última coisa que agora me podia acontecer era um processo em tribunal.
Um alandroalense

Anónimo disse...

venham de lá as estórias porque isso dos processos é como os chapéus. há muitos!

Anónimo disse...

O nosso conterrâneo "Um alandroalense" deixa-nos a salivar... e não há processos para anónimos... Bote aqui o que sabe.

AC

Anónimo disse...



OBS.

Está muito bem contada esta história sobre duas aliciantes personagens que o Alandroal deu à luz em tempos passados.

Estão à altura dos "ditosos" e dotados filhos que o Alandroal foi produzindo para consumo interno e citadino. Desta vez "com uma bela cena" na capital do reino.
Mítica ou não, não é o que agora mais importa.

No fundo, o que deveras interessa, é a preservação em memorias "orais e escritas" de passagens encantatórias da vida de tantos alandroalenses que foram sempre conseguindo deixar-nos uma marca de originalidade.

Haja quem vá pegando nelas e neles.

Saudações para o Autor


Antonio Neves Berbem