terça-feira, 7 de abril de 2015

TRANSCRIÇÃO DA CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA DIARIAMENTE NA DIANA/FM

                                        Cláudia Sousa Pereira - Bypass

Terça, 07 Abril 2015
Nas últimas semanas houve dois acontecimentos que foram programados por gente aparentemente comum e que vitimaram, cada um deles, mais de uma centena de inocentes que apenas estavam à hora errada, no lugar errado.
Foram crimes, portanto. Se um deles, o do avião propositadamente precipitado nos Alpes franceses por um dos pilotos, foi feito em nome individual revelador de um protagonismo doentio; o outro, o da chacina na Universidade de Garissa no Quénia, fez-se em nome de um colectivo adorador de um Deus que se revela assim de maneira nada saudável. Ambos acabaram por se me afigurar como formas de desviar atenções: um, mais inusitado, para si próprio, outro, que tende a tornar-se dramaticamente rotineiro nesta estranha guerra santa que grassa neste mundo que conhecemos, para uma ordem que treslê leis divinas. Não foram incidentes ou acidentes, foram massacres.
Com a Páscoa, e com o que de passagem esta festa judaico-cristã tem, mas também por causa desses dois acontecimentos recentes, pus-me a pensar na palavra bypassBypass significa contornar, desviar. É uma passagem secundária que permite dar a volta a uma determinada situação. Tanto pode ser um caminho alternativo, se considerada uma definição generalista, como uma determinada técnica da engenharia hidráulica, ou uma operação para equipamentos electrónicos ou ainda, e talvez o contexto mais conhecido, uma intervenção cirúrgica. Nesta área da medicina, o bypass é também o nome de um equipamento que ajuda os doentes em estado grave a terem uma vida melhor, pois permite que se desviem as funções de vários órgãos do corpo, mantendo-os a funcionar. Já na eletrónica é uma operação que serve para desviar a corrente e a tensão dos equipamentos, e que é utilizada quando se tem que fazer a manutenção ou substituição desses equipamentos, tornando-se uma medida de segurança para quem está envolvido nesse tipo de processo. Na área de hidráulica, o bypass é um caminho para fazer com que a água consiga chegar até ao caminho principal, mas por vias alternativas.
Enfim, o bypass parece ser um atalho benigno e não uma espécie de passe de mágica ou ultrapassagem com artimanha. O lado bom do curto-circuito que permite a solução e não constitui um problema. Uma forma de preservar a vida, pensada e utilizando a técnica, fruto do engenho humano. Uma demonstração do poder do homem através da ciência, e não ao serviço da morte, como nestas duas tragédias. Ou como em muito menos trágicos episódios de vidas públicas, ou não, em que rebuscadas estratégias de desviar atenções para si ou para outros, mascaram com o tal e mesmo engenho, objetivos pouco claros e, normalmente, que apenas beneficiam os que montam esses desvios. Bypasses que são, afinal, manifestações de poder ao perigoso alcance de cada vez mais comuns mortais e que, para se tornarem imprevisíveis, se tornam cada vez mais terrivelmente surpreendentes e criativos. Num muito mau sentido.
Cláudia Sousa Pereira


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