quarta-feira, 22 de abril de 2015

REGRESSO AO PASSADO - Por Chico Manuel

                                   PERIPÉCIAS DO CACHAMELA



Se há personagens que perduram na memória dos Alandroalenses, o “Cachamela” será sempre uma a ter em consideração.
De seu nome próprio Domingos Rosado, foi uma figura que marcou a década de sessenta no Alandroal.
Muitas foram as peripécias, que assinalaram a sua presença nesta terra, pois infelizmente o “Cachamela” já há muitos anos nos deixou.
Não sei porque cargas de água lhe puseram “Cachamela”, sei isso sim o quanto exímio era no desempenho do seu ofício como taberneiro, com tasca onde agora se situa a Chaminé. No roteiro das tabernas do Alandroal, uma visita ao Domingos era imprescindível. E os seus petiscos, talvez pela falta de higiene com que eram confeccionados, os mais saborosos. Lembro-me de um dia ao querer presentear umas visitas, com o melhor que na altura se servia no Alandroal, os mesmos depois de provarem um tintinho com um bocado de toucinho rançoso, servido na tasca do Domingos, me confidenciarem que nunca tinham provado presunto tão saboroso.
Considerado um dos melhores músicos da terra, não houve instrumento de sopro que ele não tocasse na Banda, sendo frequentemente convidado para outras filarmónicas, para tocar trombone ou barítano. Quem pode esquecer o primeiro dia do mês de Dezembro, quando pelas quatro da manhã acordava a Vila, tocando o patriótico “Lusitanos é chegada a hora da Restauração””, bem no alto das ameias do Castelo, em manifesta provocação aos nossos vizinhos Espanhóis.
Muitas são as história que se poderiam contar do Domingos, desde aquela em que meteu no saco uma visita da tarde, com quem se estava a amanhar, e que teve que pedir desculpa aos fregueses, que entretanto, e sem serem esperados se acumularam na taberna, dando como desculpa que tinha ali aquele saco de lixo que urgentemente tinha que ir despejar na Ladeira das Pedras; só que não contava que o saco se rompesse. As seis multas seguidas que apanhou da G.N.R., pois teimou em abrir o estabelecimento, fora de horas, quando as pessoas regressavam da Sociedade, depois de fechar a Televisão. O ficar detido quando em pleno Tribunal, teve o desplante de contrapor ao Meritíssimo que ele não percebia nada das razões dos “porquês”, porque “os porquês” eram o grande mistério do mundo.
Também eu fui vítima de uma partida do “Cachamela”, ainda que a mesma não se destinasse, propriamente a mim, mas sim a um amigo, companheiro inseparável de muitas “aventuras” na altura, e cujo nome me abstenho de mencionar: Havendo nessa noite baile na Sociedade da Musica e namorando o meu amigo uma familiar do amigo Domingos, coisa que não era lá muito do seu agrado, urdiu o seguinte estratagema. Antes do inicio da função, da qual ele era o principal abrilhantador, convidou-nos a provar uns passarinhos fritos que tinha acabado de arranjar e que estavam a fritar na vizinha. Antecipando um bom “aquecimento” para a noitada que se avizinhava, lá fomos. Esperem aqui um bocadinho que eu vou ali buscar os passarinhos, mas fecho a porta não apareçam mais alguns fregueses, que depois o petisco não chega, e entretanto até pode aparecer a Guarda.
E zás…porta fechada à chave, e os dois “gulosos” encerrados.
Bem … a ordem de libertação só chegou quando o baile acabou, e passarinhos nem o cheiro.
Perante a iminência de uma grande “zaragata” lá surgiu a desculpa: É pá a Guarda viu-os entrar e só agora é que abalou aqui do pé da porta…não podia fazer nada…senão eles multavam-me outra vez. Pena foi os pássaros…fugiram todos.

Certa vez travou-se de razões com um freguês. Convêm dizer que o “Cachamela” era aquilo que se costuma chamar de rodas baixas, não media mais que metro e meio, enquanto o cliente tinha cerca de dois metros.
A provocação não agradou ao outro que sem mais pespegou uma orelhada bem assente no “Cachamela”.
Passados uns dias, quando o freguês passou à frente da tasca, foi chamado pelo “Cachamela” que lhe apresentou mil desculpas pois já estava meio tocado, que não era intenção ofendê-lo, pois não queria dar-se mal com ninguém e blá…blá….blá.…. E até fez citação da Bíblia: “Deus disse que quando se bate numa face se deve oferecer a outra”, e se quiseres podes dar mais uma que eu mereço. É evidente que não deu… e vamos mas é beber um copo.
Depois de emborcarem meia dúzia…diz o nosso amigo: Eu sou assim pequeno, qualquer me bate…mas tenho muita força….Queres apostar que posso contigo? E perante os sorrisos dos presentes….Riem-se! Deixa lá experimentar se consigo ou não levantar-te do chão. Reuniu todas as forças…começou a levantar o outro e quando achou que era uma altura já suficiente… larga o desgraçado que desamparado pregou com os costados no chão…É pá…és pesado…na verdade pesas mais do que eu pensava…desculpa lá mas faltaram-me as forças.
Todo derreado com a queda lá rumou a casa…foi então que ufano o “Cachamela” se vira para os presentes….TINHA QUE AS PAGAR….

 Xico Manuel

ADENDA EM COMENTÁRIO DO A.N.B
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«OBS.

Começando pelo fim, vou meter uma colherada na saga que foi a vida do Domingos Cachamela retomando o brilho do texto do Francisco Manel.
"(...)Anos depois de deixar o Alandroal finalmente o Domingos encontrou a mulher que seria (e foi) a companheira para o resto da sua vida".
O acontecimento esteve bonito e teve de tudo: casamento oficial, copo de água, flores, sorrisos, felicidades e um casal amoroso e já idoso aos beijinhos. O Domingos e a sua velha nova amada no seu melhor numa festa linda.
O João José Galhardas e eu fomos convidados de honra por sermos seus amigos. Mas sobretudo por sermos do Alandroal. Esta é a verdade.
O João J. Galhardas preparou um breve discurso invocando Nossa Senhora da Conceição. Eu preparei outro, onde discorria sobre o seu passado no Alandroal. Como podem concluir a Festa do casamento do Domingos atingiu assim um certo clímax com várias e furtivas lágrimas à mistura.
E de uma coisa ficámos certos: mais lágrima menos lagrima, todas estavam particularmente viradas para os seus tempos áureos no Alandroal. 
Ou seja; para os Amigos, para a Banda, para a sua Taberna, para as suas malandrices, para as muralhas, para as multas injustas.
Em suma para o tudo que foi a sua vida, feita de um grande amor pela sua terra. Por mais que casasse e fosse feliz como foi no Lavradio.
Onde acabou reformado dos Transportes Públicos do Barreiro.
Agora, imaginem, reformado enquanto lavador e higienista dos autocarros.
Imaginem, lá isto e digam lá se a vida do Domingos não foi ela mesma um delicioso,asseado e brilhante arco-íris.
Melhores saudações
Antonio Neves Berbem 





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