terça-feira, 7 de abril de 2015

ORELHUDOS do CARAÇAS - Uma rubrica do A.N.B.

                                              O Zé Vicente Roma

I)    «O Zé Vicente visto de dentro para fora»
Sem a cadência escrita que gostaríamos de manter, vamos hoje, ainda assim retratar e falar do Zé Vicente, filho do Mestre Zé Gato. Uma família e duas personagens apaixonantes do Alandroal.
Muito embora seja, no filho músico trompetista, que queremos centrar-nos para dizermos como era e o quanto era um homem de feição e feitio superior. Nado e criado nesta terra.
Um grande senão porventura um dos maiores alandroalenses única e exclusivamente apaixonado pela sua Vila. Só quem viu. Só visto e percebido podemos avaliar a paixão que ele verdadeiramente sentia pelas ruas do seu chão materno.
Do Zé Vicente, se poderá dizer que tinha uma profunda visão do passado e presente da sua terra, sabendo compreender as origens difíceis de onde tinha saído para, em seguida, dar luta imensa “aos caminhos de pedras” que a vida havia de lhe exigir.
Tudo isso para poder estar e poder voltar à sua terra sempre que quisesse. Foi assim mesmo. Foi só assim que quis viver e, por sua vontade própria, houve justamente de lhe acontecer isso.
Enquanto ajudante do pai pedreiro foi sempre trabalhador e na sua juventude um excelente músico. Assim como veio depois a ser ´Agente graduado da GNR` embora pouco atreito ao uso e ao poder daquela farda naqueles tempos.
Isto porque o Zé Vicente era portador de «uma razão interior» mais profunda “de ser sempre amigo, aliado e cúmplice dos fracos contra os fortes” sem nunca ser mandão ou autoritarista.
Convivemos com ele o suficiente para saber que essa era a sua pauta (e ética) da vida preferida dando os nomes certos aos factos e às coisas que via em redor.
O Zé Vicente tinha “espinha socialista” e foi com essa mesma identidade e opção social que se manteve ao longo da vida, nunca exibindo galões que não valorizava ou nem sequer mostrava. Era guarda da república e pronto. Raras vezes o vimos fardado.
Mas foi assim que teve de andar em serviço por muitas terras alentejanas a sul do país (Setúbal, Grândola, Alcácer do Sal) chegando a ser guarda-republicano no Forte (político) de Peniche. Esse mesmo…!
Bastava-lhe antes ter inscrito nas relações da sua memória afectiva os amigos que foi por cá tendo e foi deixando enquanto alandroalense genuíno. Amigo de voltar regressando intensamente às suas raízes térreas.
Quando aqui chegava era uma festa e um alvoroço mas quando tinha de partir, na camioneta das 6 da manhã, era uma tristeza infinda e amargurada. 
Tinha além disso uma faceta imparável: era um acérrimo benfiquista (morava em Setúbal mas ía ver em Lisboa os treinos que podia) e vamos aqui recordar que, quando estava no nosso ambiente, apanhava grandes, saborosas e demoradas carraspanas. Sempre rodeado de amigos durante horas de contínua e plena curtição.
Cantava bem, à tony de matos e outras canções do género “nem às paredes confesso” e “teus olhos castanhos/de encantos tamanhos” mantendo-se contudo sempre fiel à Banda e ao toque para as pegas, digamos do Sarlica, no Touril dos bons velhos tempos.
Ele e o Zé Maria do Lila eram uma das imagens de marca com que a Banda sempre se foi apresentando e incorporando sucessivas gerações de bons músicos desde o tempo do João Colunas, ao ramo extenso dos Romas e ao caixa Pimenta. Como parece que – felizmente - não está deixando de acontecer ainda hoje. A semente foi, aliás, de qualidade.
Num aparte, vamos ainda deixar aqui esclarecido que o seu «benfiquismo» era incondicional e assaz profundo. Se o quisessem ver desatinado e a terçar duras farpas, bastava falar-lhe nas malfeitorias do Pinto da Costa e do modo como o seu Benfica era e foi sendo enrolado sucessivas vezes. Época após época.
Sobretudo por aquele (ainda vivo) viperino, mordaz, mulherengo e competente dragão presidente.

II)  «O Zé Vicente visto de fora para dentro»
Para se ver a sua qualidade das suas relações humanas, importa dizer que quando começou a estar doente, apegou-se cada vez mais à sua terra.
Assisti, em parte, a essa sua derradeira fase porque vinha muitas vezes ao Hospital da GNR que é mesmo em frente do sítio onde habito em Lisboa.
Nessas ocasiões, lá me ía explicando que, no Alandroal, não sentia a solidão porque havia por ali uma certa paixão. Assim como não sentia o isolamento porque havia alguma convivência social. E porque era dos que falava com todos, tudo o que dissesse respeito ao real desenvolvimento da sua amada terra.
Visto de fora para dentro, o Zé Vicente, adorava as conversas, as piadas e gracinhas especialmente originárias da Arca da Fonte. Tinha ele próprio um fino sentido de humor capaz de contar e recontar as histórias de encantar vividas na Banda, entre amigos, e as de certas “peças e figuras- maravilha ” conhecidas na Vila.
Frequentava enquanto pôde e sem distinção de posto ou do tamanho dos copos as tabernas todas do Alandroal. Em cima e em baixo.
Tinha (e teve) um automóvel Anglia com que volta e meia batia. Umas vezes por mero azar, outras porque estava escuro, às vezes, porque vinha ensonado. Ou, então, de vez em quando porque vinha apenas cheio de pressa…nas curvas da palheta. Ou seria dos palhetos cartaxudos  silva - v. santana?...
E já que vem a calhar, gostava muito da Festa dos Prazeres, da romaria à Boa Nova e até da sua simbologia como polo agregador do místico, da fé, das crenças e do encontro religioso de gentes de várias partes do país.
O Zé Vicente também combinava, e de que maneira o sabia fazer, em pleno Alandroal, um certo “espírito de vadiação” com as tais carraspanas acompanhadas por vezes com musica da trompete (no que era muitas vezes duplamente “vigiado” lado a lado  pelo seu inseparável amigo e parceiro Zé Maria).
O que, por junto, lhe(s) dava um certo ar de boémia, liberdade e libertinagem sem falseadas regras de vida e se, lhe fosse oportuno, fazendo-se também às estradas e aldeias do Concelho. Ou até mesmo ao Alqueva «um lago com tanta água» que gostava sempre de revisitar. Ainda o levei-o lá por duas ou três vezes.
Era, se esta síntese final me for permitida, um dos mais poéticos seres livres que o Alandroal teve e deve guardar nas suas memórias. Muito afectivo, cristalino e generoso.
Vencido pela morte um tanto precocemente vamos aqui dizer, no Al tejo, sem nenhum receio ou pieguice que deixou saudades e com saudades, ainda estamos da sua marcante presença vivida na Praça e no Alandroal.
Simplesmente, muito simplesmente, temos de dizer que aquilo que o Zé Vicente fez durante toda a sua vida foi inventar e reinventar um modo bastante criativo de ser virtuosamente alandroalense.
Um segredo e um dom algo misterioso que partilhava como poucos o conseguiam fazer e alcançar. Ou estão na calha para vir a consegui-lo.
A Torre do Relógio que ele, o Zé Vicente, viu e reviu sempre como uma imagem belíssima da sua terra com as suas contadas e infinitas badaladas que o diga e repita.
E não vá deixando de fazer-nos reviver os sinais da “gente e da terra que somos e vamos sendo”. De geração em geração. E de oráculo em oráculo.
Melhores saudações
  António Neves Berbem
    ( 7/IV/2015)
Ps: Esta lembrança dirige-se principalmente aos familiares do Zé  Vicente.


3 comentários:

L. Mira disse...

Meu querido amigo A.N.B.
Mais uma vez estás de parabéns por mais esta belissima crónica que partilhas connosco. Tens feito com que a nossa memória recorde e não esqueça as figuras carismáticas da nossa terra. Obrigada por isso e faz favor, continua a deliciar-nos com a tua escrita. Haverá outros ainda...
Posso lembrar-te um, que tinha um cãozinho que lhe levava o almoço, recordas? Beijo.Luísa.

Anónimo disse...


OBS.


Claro que recordo.
Não era de grandes conversas e ladrilheirices mas era de cor preta e muito bom cão.

Para Ti, as melhores saudações.

ANB

Anónimo disse...

SABE LÁ A MAIORIA DAS PESSOAS QUEM FOI O ZÉ VICENTE.A MAIORIA DAS PESSOAS QUE POR AQUI VIVE E QUE AQUI COMENTA NEM DO CONCELHO SÃO, TIRANDO IDOSOS E CRIANÇAS E JOVENS QUE POR AQUI NASCERAM,GENTE MESMO DAQUI OU JÁ MARCHARAM PARA O ORIENTE ETERNO OU NÃO VIVEM POR AQUI HÁ MUITO, ATÉ A MAIORIA DOS JOVENS DE 2O, 25 ANOS JÁ SE PIRARAM.HÁ TANTA GENTE DO CONCELHO E FAMILIAS A VIVER FORA DELE POR ESSE MUNDO FORA DO QUE OS QUE CÁ ESTÃO.
É BOM ALGUÉM SE IR LEMBRADO DESSA BOA GENTE QUE JÁ FOI.