Quinta, 23 Abril 2015
(A propósito do Sony
World Photography Awards, ganho por uma jovem eborense)
Cara Beatriz, hoje é o
dia em que uma multinacional te vai entregar um prémio por uma fotografia que
conseguiste num momento particularmente feliz.
Como a coisa tinha um carácter
internacional, eram muitos os concorrentes e tu apenas tens 15 anos, cá pelo
burgo deram visibilidade ao teu feito com entrevistas, reportagens e convites
para participares em programas de televisão.
Gostei de ler e ouvir
o que foste dizendo acerca de como congelaste aquele pedacinho de tempo, de
como viste para além do enquadramento, da luz, da cor, da velocidade e de
outros pormenores técnicos,
Gostei da forma como
não te esqueceste de referir o papel do teu pai e a herança do teu avô, de como
fugiste de expressões como sucesso ou orgulho e como colocaste a tónica num
futuro que passa por coisas diferentes, quando o mais fácil seria o
encantamento pelo momento e lá te sairia a expressão, “quando for grande quero
ser fotógrafa”.
Num mundo em que há
quem venda a alma ao diabo por cinco minutos de fama e em que milhares de
jovens fazem fila para participar em concursos televisivos de conteúdos
inenarráveis, foste capaz de afastar respostas óbvias, considerações que todos
esperam e projecções de futuro igualmente óbvias.
Mal te conheço e não
me deveria atrever a sugerir-te seja o que for, mas ainda assim deixa-me lá
dizer-te que gostaria que olhasses para este momento, que pode ser irrepetível,
como um espaço temporal de reflexão sobre como nos queremos relacionar com os
outros, como queremos contribuir para a luta por um outro mundo.
Gostaria que fosses
capaz de entender que aquele momento que registaste e que te permitiu este
reconhecimento público, só foi possível pela argúcia do teu olhar, pelos
conhecimentos técnicos que foste adquirindo, pela ambiência familiar e pela
sorte de estares no sítio certo e porque fotografaste o Alentejo.
Não o Alentejo das
paisagens bucólicas ou do património construído, mas o Alentejo da memória do
trabalho, da solidariedade, da coragem e tenacidade que permitiu resistir à
exploração, cantando em colectivo.
Gostaria que, quando
mais tarde olhasses para esta fracção da tua vida, sentisses orgulho por teres
sabido captar aquele momento único e tivesses consciência de que até o gesto
mais individual, como fazer disparar o obturador de uma máquina fotográfica,
resulta da conjugação do trabalho colectivo,
Sei que logo à noite,
em Londres, quando receberes o prémio que reconhece um momento genial, não te irás
lembrar de nada disto, mas tenho a esperança que te lembres mais tarde.
Poderia dar-te os meus
parabéns pelo prémio alcançado, mas seria vulgar. Prefiro dar-te os parabéns
pelo facto de teres dito a quem representa um programa de televisão “a essa
hora não posso, porque tenho aula de matemática”.
É que a cerimónia de
hoje à noite tem a ver com algo que fizeste, a tua resposta à produtora
televisiva tem a ver com o que és.
Até para a
semana
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