Terça, 14 Abril 201
À la carte é a expressão francesa que
significa “de acordo com uma lista ou um cardápio”. Usada sobretudo nos
restaurantes, a expressão estende-se a situações em que quem escolhe alguma
coisa tem direito a fazê-lo sem ser num “pacote”, definido por quem dá a
escolher.
Normalmente, o que é à la
carte pressupõe variedade e de facto a oportunidade de optar pelo que
se prefere, sem ter que levar consigo algo menos apetecido ou que não agrade.
O que parece tornar as
escolhas à la carte mais raras do que a opção por um “pacote”
ou “menu fixo”, ou como agora também se diz nos restaurantes um “all-you-can-eat”
o “tudo-o-que-conseguir-comer” que se poderia com muita liberdade traduzir por
“à enfardadeira”, são razões de preço. Fica normalmente mais económico o
comensal que escolhe o menu fixo do que o que escolhe à la carte, o
que em tempos de crise não é um argumento despiciendo. Interessante que, ainda
no domínio da restauração, havia também a distinção de dose e meia-dose (e digo
havia porque há muito que não oiço essa conversa), sendo que a soma das partes
não era nesses casos, normal e exatamente, a mesma que o total, nem no preço
nem nas quantidades, aconselhando-se por vezes, e em função do apetite, que
duas pessoas ficariam melhor servidas com duas meias-doses do que com uma a
dividir por dois.
Bom, mas não se
imagine que vim para aqui falar só de restaurantes. Nem de listas, já agora.
Venho falar de democracia. E de como às vezes me parece que, por economias
várias, se tem vindo a impingir ao cidadão a solução do pacote, em vez de uma
verdadeira e trabalhosa escolha. Trabalhosa porque necessita de tempo,
explicações razoáveis e bons exemplos. Se existem já em alguns locais, e em
algumas instituições, práticas, ou até mesmo ainda só experiências, mas
consistentes e equitativas em várias instâncias, que tornam real pelo menos o
exercício da escolha, certo é que muitas mais serão necessárias para que o
cidadão comum não prossiga neste caminho de receio cada vez que sai de casa
para escolher A, B ou C e afinal levar com uma espécie de ementa que acaba por
lhe sair cara. Os resultados do sistema estão à vista, com uma enorme e
assustadora abstenção, a pôr em perigo de falência um sistema que, se conta com
o voto dos cidadãos, ficará reduzido a quê se os cidadãos não votarem?
À volta das
movimentações para as eleições que se avizinham, umas mais perto outras mais
longe, não há grande contributo para que a escolha seja feita de forma
informada, no menu ou à la carte. Estratégias várias, algumas mesmo
obscuras para quem já anda tão desconfiado de todos quantos se declaram
disponíveis para trabalhar para o bem comum e dos outros que parece que os
mandam não o fazer; mas também um exercício de quem tem o papel de informar as
pessoas, ou usa os mesmos - felizmente cada vez mais disponíveis - meios de
comunicação, mas nem sempre se preocupa em formá-las. E tudo isto a não
contribuir para a boa saúde da participação democrática, fazendo crer que é
tudo a mesma coisa. E também não há ilusões sobre quem mais do que apresentar
soluções desfia contestações, não contribui nas negociações ou coligações –
apesar das que por vezes surgem em estranhos cocktails.
A persistirmos no
modelo haverá cada vez mais domingos de eleições em que famílias inteiras se
deixarão ficar dentro de portas, à volta de uma refeição caseira. E aí “comem”
o que houver: nem menu, nem à la carte.
Cláudia Sousa Pereira
1 comentário:
Concordo e muito com as ideias descritas nesta crónica. Sinto-me legitimada para concordar porque sou completamente contra a abstenção e entendo o que ela significa e como contribui para as mudanças dos sistemas. Desde que a democracia nos autorizou a votar nunca fiquei em casa. Para mim bastou-me o tempo em que fui impedida de o fazer. Quem fica em casa por opção, também é livre de o fazer, mas realmente, como diz e bem “E aí “comem” o que houver: nem menu, nem à la carte.” É certo que fazer escolhas é trabalhoso para todos. Mas como sabemos, a democracia é um sistema caro e trabalhoso, mas livre. A liberdade é um bem caro e precioso, mas que devemos preservar.
Quando assim não for então voltamos ao “poder de um Homem só” Ao qual eu, muito sinceramente, não gostaria de volta.
MM
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