quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

HABITUAL CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA DIARIAMENTE NA DIANA/FM

                            O exemplo do bom aluno

Quinta, 19 Fevereiro 2015 09:57
O ministro das finanças alemão tem-se entretido nos últimos dias a evidenciar o que ele chama de sucesso nos programas de intervenção em Portugal e na Irlanda.
Neste esforço demonstrativo tem tido a seu lado a ministra das finanças do governo português que afirmou, sem aparente pudor, que:. "Foi um contrato, se pudermos chamar-lhe assim, com obrigações do nosso lado e solidariedade do outro".
Quanto às obrigações do nosso lado (e este nosso lado não inclui o detentores do capital) até podemos estar de acordo, já quanto à solidariedade a coisa não funciona, a menos que a palavra solidariedade tenha mudado de sentido.
Essa apregoada solidariedade custa-nos milhares de milhões de euros em serviço da dívida que, obviamente, beneficiam os desinteressados solidários do FMI e parceiros.
Num momento que a Alemanha precisa urgentemente de um “bom aluno” para mostrar como os gregos são maus, preguiçosos, despesistas e outras coisas que aqui não cabem, o nosso governo, qual menino certinho da turma, dá um passo em frente, levanta o dedo e oferece-se para limpar o quadro, despejar o cesto dos papeis e ir buscar o lanche ao senhor professor.
O ministro alemão afirmou que Portugal seria o exemplo, a par da Irlanda, do sucesso dos chamados processos de ajustamento.
Os portugueses sentem na pele esse sucesso. Menos rendimento do trabalho disponível, níveis de desemprego intoleráveis, ainda que as estatísticas considerem empregados os que estão em estágio ou em formação, desarticulação dos serviços públicos, com especial incidência na saúde, o caos na educação e na justiça, um quarto da população no limiar da pobreza, menos democracia com a extinção de freguesias, são apenas alguns exemplos do sucesso que tanto entusiasma o senhor ministro alemão.
Depois disto tudo devemos menos? Não. Devemos mais. A dívida tornou-se comportável? Não. Ficou ainda mais incomportável.
Diminuíram as desigualdades sociais? Não. O fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumentou.
Qual é então a medida do sucesso? A confiança dos “mercados” e a garantia de que o negócio dos credores não fica em risco.
Este ano teremos novamente a oportunidade de mudar de rumo. De deixar de ser o aluno engraxador da escola de Berlim, para readquirirmos a capacidade de dizer que o sucesso de uma política não se mede pela capacidade de garantir a tranquilidade dos credores à custa dos sacrifícios da maioria dos portugueses.
Queremos continuar a ser o bom exemplo que o Sr. Schäuble usa nas suas palestras, ou queremos mudar o destino para correr o risco do desafio?
Mudar de rumo implica ter a coragem de romper com as opções dos últimos 38 anos, de experimentar outro caminho.
Está na mais que na hora de deixarmos de ser o menino de coro do senhor professor e assumirmos o papel do puto de fisga no bolso de trás dos calções.
 Até para a semana
Eduardo Luciano


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