Terça, 17 Fevereiro 2015 11:00
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E porque é de
Carnaval esta terça-feira, cá vai mais um ano uma crónica sobre o assunto.
Afinal, estas festividades cíclicas também são uma forma de irmos contando os
anos que passam
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E este é já o quarto em que o Entrudo me
entra pela escrita. Como o país do Carnaval é o Brasil, desta vez o estrangeirismo
soa ao português que é: o fungagá, substantivo que designa, em português de cá
e de lá, uma orquestra desafinada.
O mais conhecido fungagá português, dos anos 70 do século
passado, é o da “Bicharada”, título de música infantil e disco de enorme
sucesso, assinado e interpretado pelo Barata Moura – que se tornou num tão
respeitável professor catedrático como foi como sucesso do mundo artístico e
até chegou a Reitor da Universidade de Lisboa, onde esteve entre 1998 e 2006. O
seu “Fungagá da Bicharada” fala precisamente de uma grandessíssima misturada de
vozes e comportamentos algo caóticos dos chamados animais da quinta.
Curiosamente, e se calhar não por acaso, é também uma peça musical clássica com
animais a mais famosa do Carnaval: o Carnaval des Animaux, uma composição para
dois pianos e orquestra do francês Camille Saint-Saëns, criada, pois claro, em
Fevereiro de 1886, quando o compositor passava férias na Áustria. Parece que
Saint-Saëns não terá permitido que a obra fosse publicada em vida, com receio
que ela arruinasse a sua reputação de "compositor sério". Apenas o
“andamento” d’ O Cisne, por ter um caráter mais sério, foi publicado durante a
sua vida. Ironia do destino, entre os melómanos mais leigos, e tendo uma obra
bastante vasta, esta é talvez a sua peça mais famosa.
O período do Carnaval, que é sobretudo festejado pelas crianças
e muitas vezes permitindo-se comportamentos infantis nos adultos, é
caracterizado pela inversão das normas aceites pela sociedade, sendo que alguns
comportamentos são tolerados só mesmo porque se assumem nesta época festiva. É
desta forma que um fungagá é muito aceitável no Carnaval, pois aquilo a que se
chamam a si próprios os elementos que fazem parte de uma orquestra – ou,
esticando o campo de aplicação do léxico, qualquer tipo de organização que
mereça este nome –, poderá com o beneplácito de quem delas ou nelas viva
permitir alguma bagunça durantes cinco dias. Um bom Carnaval, no fundo, deveria
permitir que a seriedade se mantivesse e fosse a característica predominante no
resto do ano.
É por isso sempre com uma grande expetativa que vejo os que
festejam como festa rija o Carnaval, com gosto e não como obrigação. E fico
assim à espera que, no resto do ano, sejam precisamente o inverso do que são
nestes tempos de folia, desregramento e, porque não, alguma catarse. De que é
que falo? Por exemplo, que as máscaras que usam no Carnaval sirvam para se
disfarçarem de outra coisa que não são e que, depois, se usarem outras máscaras
de dia-a-dia, que as há e é como quem diz se assumirem um determinado papel,
não estranhem que provoquem nos outros as reações que supostamente devem
provocar e não outras. É que, se no Carnaval, o Capuchinho Vermelho pode andar
disfarçado de Lobo Mau, no resto do ano o que espera que funcione é mesmo a
máxima de que «quem não quer ser lobo não lhe vista a pele». Se a tradição de
que gosto, e que é aquela cheia de dinâmica civilizacional a marcar o ritmo e a
adaptar-se aos tempos, ainda fosse o que era, seria assim que, tranquilamente,
tudo funcionaria, em princípio e melhor.
Cláudia Sousa Pereira
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