quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA ONTEM NA DIANA/FM

                                                  Fungagá

Terça, 17 Fevereiro 2015 11:00
E porque é de Carnaval esta terça-feira, cá vai mais um ano uma crónica sobre o assunto. Afinal, estas festividades cíclicas também são uma forma de irmos contando os anos que passam
E este é já o quarto em que o Entrudo me entra pela escrita. Como o país do Carnaval é o Brasil, desta vez o estrangeirismo soa ao português que é: o fungagá, substantivo que designa, em português de cá e de lá, uma orquestra desafinada.
O mais conhecido fungagá português, dos anos 70 do século passado, é o da “Bicharada”, título de música infantil e disco de enorme sucesso, assinado e interpretado pelo Barata Moura – que se tornou num tão respeitável professor catedrático como foi como sucesso do mundo artístico e até chegou a Reitor da Universidade de Lisboa, onde esteve entre 1998 e 2006. O seu “Fungagá da Bicharada” fala precisamente de uma grandessíssima misturada de vozes e comportamentos algo caóticos dos chamados animais da quinta. Curiosamente, e se calhar não por acaso, é também uma peça musical clássica com animais a mais famosa do Carnaval: o Carnaval des Animaux, uma composição para dois pianos e orquestra do francês Camille Saint-Saëns, criada, pois claro, em Fevereiro de 1886, quando o compositor passava férias na Áustria. Parece que Saint-Saëns não terá permitido que a obra fosse publicada em vida, com receio que ela arruinasse a sua reputação de "compositor sério". Apenas o “andamento” d’ O Cisne, por ter um caráter mais sério, foi publicado durante a sua vida. Ironia do destino, entre os melómanos mais leigos, e tendo uma obra bastante vasta, esta é talvez a sua peça mais famosa.
O período do Carnaval, que é sobretudo festejado pelas crianças e muitas vezes permitindo-se comportamentos infantis nos adultos, é caracterizado pela inversão das normas aceites pela sociedade, sendo que alguns comportamentos são tolerados só mesmo porque se assumem nesta época festiva. É desta forma que um fungagá é muito aceitável no Carnaval, pois aquilo a que se chamam a si próprios os elementos que fazem parte de uma orquestra – ou, esticando o campo de aplicação do léxico, qualquer tipo de organização que mereça este nome –, poderá com o beneplácito de quem delas ou nelas viva permitir alguma bagunça durantes cinco dias. Um bom Carnaval, no fundo, deveria permitir que a seriedade se mantivesse e fosse a característica predominante no resto do ano.
É por isso sempre com uma grande expetativa que vejo os que festejam como festa rija o Carnaval, com gosto e não como obrigação. E fico assim à espera que, no resto do ano, sejam precisamente o inverso do que são nestes tempos de folia, desregramento e, porque não, alguma catarse. De que é que falo? Por exemplo, que as máscaras que usam no Carnaval sirvam para se disfarçarem de outra coisa que não são e que, depois, se usarem outras máscaras de dia-a-dia, que as há e é como quem diz se assumirem um determinado papel, não estranhem que provoquem nos outros as reações que supostamente devem provocar e não outras. É que, se no Carnaval, o Capuchinho Vermelho pode andar disfarçado de Lobo Mau, no resto do ano o que espera que funcione é mesmo a máxima de que «quem não quer ser lobo não lhe vista a pele». Se a tradição de que gosto, e que é aquela cheia de dinâmica civilizacional a marcar o ritmo e a adaptar-se aos tempos, ainda fosse o que era, seria assim que, tranquilamente, tudo funcionaria, em princípio e melhor.
Cláudia Sousa Pereira


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