quarta-feira, 26 de novembro de 2014

DUQUES E CENAS - RUBRICA DE J.L.N.

                                                                      Volta

Somos uma data de órfãos à deriva, no mar alto. Sem cartas de marear nem astrolábios. Em naus que se tornam cada vez mais frágeis, tormenta após tormenta. Somos uma pálida sombra dos navegantes quinhentistas, porque esses tinham Gamas e Cabrais que sabiam muito bem para onde queriam ir. Hoje, não existem rotas definidas. Nem líderes de confiança. Porque são eles os primeiros a esconder a verdade, a ignorar o óbvio, numa atitude sádica de quem gosta de fazer e de ver sofrer.

Somos uma data de órfãos à deriva. O país que nos fez recusa-nos portos de abrigo e os políticos de hoje querem-nos lá fora para que desçam os índices de desemprego. É urgente a justiça. É urgente a esperança e o grito: “Terra à vista”. Fazem-nos falta políticos maduros, conscientes, respeitadores, justos, democráticos. Queremos uma liderança honesta e transparente. É urgente o nascimento de novos Gamas e Cabrais que nos conduzam de volta ao Cais das Colunas, onde nos esperam as nossas mulheres e os nossos filhos, as nossas mães e os nossos pais que julgavam nunca mais poder tocar-nos no rosto. Onde está essa liderança? Onde o sacrifício de quem, de peito aberto, defende os que mais precisam? Como se continua tacitamente a aceitar os políticos que viraram o país ao contrário? O que acontece aos detentores de cargos públicos que violam a lei e desaparecem de circulação até que o povo se esqueça deles? Quem é preso neste país? Quem é confrontado com as autoridades e os tribunais? O político corrupto? O gestor público que se deixou tentar por umas férias um pouco mais exóticas? Nááááá!!!! O padeiro que roubou setenta cêntimos ao patrão. A mulher que desviou umas maçãs no supermercado para dar ao filho. O pai que estacionou em local proibido porque tinha de levar, com urgência, a filha ao hospital.

Em Julho de 1970, falecia um homem que tinha governado o país com mão de ferro durante quase meio século. A queda de uma cadeira tinha-lhe sido fatal. Morreu pobre e quase sozinho. Cometeu erros terríveis, fez sofrer gerações, usou Deus e a Igreja para justificar muitas das suas decisões mesquinhas e estranguladoras. Espalhou a insegurança e o terror nas famílias e nunca quis entender o que era a democracia. Instigou a censura, limitou a liberdade expressão e mandou torturar e matar. Contudo, nunca desviou dinheiros públicos em proveito próprio ou dos poucos amigos que tinha.

Nestes tempos de modernidade, sentimo-nos roubados todos os dias. Todos os meses os cortes nos salários são justificados nos telejornais através de percentagens extraterrestres, de contabilidades estranhas, de situações ainda mais esquisitas, com palavras enleadas que já não convencem ninguém. E eles lá continuam a decidir quem vive e quem morre, quem tem casa e quem vai viver para a rua, quem tem emprego e quem vai ser despedido. Somos marionetes que eles manipulam, consoante o dinheiro que precisam para esconder erros gravíssimos de gestão pública, para disfarçar manobras ínvias que não querem ver esclarecidas, para, tapados com capas de mártires e de heróis, nos convencerem das suas extraordinárias boas intenções.

Desisti de acreditar. Abril nunca me pareceu tão longe. Hesito antes de terminar este grito, mas vou escrever o que nunca pensei vir a escrever um dia: volta António, estás perdoado.

João Luís Nabo - In "O Montemorense", Novembro 2014


1 comentário:

Anónimo disse...

E que o seu grito se possa tornar num clamor que abafe a explicações "Invias"dessa gente.Ou acordamos todos ou o nosso País já foi...