De novo o
Helder volta ao nosso convívio com a sua escrita tão do agrado de todos aqueles
que gostam de recordar os locais, hábitos, e gentes da sua terra natal: Terena.
Desta vez e
com o título de “AS LAVADEIRAS DO LUCIFECIT” ,leva-nos a conhecer uma tarefa, que
pela força das circunstancias, desapareceu como pratica frequente de todas
aquelas que tinham o privilégio de ter um riacho, um ribeiro, um pego perto do
local onde viviam.
Recordemos
então a Ribeira do Lucifecit, e como antigamente se procedia para lavar a
roupa.
Ao reviver
personagens que exerceram tal profissão, o Helder termina esta narrativa
abordando um tema que ainda hoje está envolto em mistério, e que desde sempre
deixou marcas profundas nas gentes de Terena.
Não deixe de
ler ao longo desta semana o que o Helder elaborou para prestar homenagem a pessoas
que ficaram para sempre na memória do povo.
Chico Manuel
AS LAVADEIRAS DO LUCeFÉCIT
Durante séculos a água da ribeira
do Lucefécit foi aproveitada, com maior ou menor incidência, conforme as épocas
e as necessidades dos tempos.
É aproveitada nas hortas, nos
laranjais, nas searas de milho e girassol, nos meloais, culturas que requeriam
terra forte e húmida.
As margens da ribeira apresentam,
de Verão, um colorido diversificado que contrastam com o sequeiro da terra
circundante.
O Lucefécit atinge o seu esplendor com a
farinação, a transformação de cereal em farinha.
Os seus moinhos substituíam os do
Guadiana quando das enchentes deste rio.
Alcancei de um texto que me foi
oferecido pelo senhor Carlos Cunha, um apaixonado pelo Lucefécit, que via Al
Tejo (honra se faça ao F. Manuel) troquei alguns mails, vindo-o a conhecer,
assim como a esposa, no Mosteiro dos Jerónimos, que na ribeira moeram dezoito
moinhos registados e alguns clandestinos, muitos deles de duas mós, o que prova
bem a importância da ribeira, que tendo cerca de trinta e quatro km,
representava um moinho por cada km e oitocentos metros.
Não podia deixar de referenciar a
pesca, não só como desporto ocasional mas também uma forma de arranjar algum
dinheiro que rareava fora das épocas sazonais.
E, como eu gostava de ouvir o
pregão anunciador da venda do peixe do rio, apanhado e vendido pelo saudoso
pescador José Borrão, pelo tio Laurentino Manitas, que terminava com estas
palavras - que lá se vende.
Dois dos maiores auxiliares de
rega que conheci junto á ribeira foi a nora e a picota, esta conhecida também
como cegonha.
Para quem esqueceu o carinho que
o liga á sua Terra Natal ou ao lugarejo onde nasceu esta crónica pouco ou nada
lhe dirá, mas se tem alguma curiosidade em conhecer os usos e costumes de uma
região, já lhe dirá algo.
Este texto é direcionado para
todos aqueles que longe, mesmo muito longe, nunca conseguiram cortar o cordão
umbilical que os une á sua terra de berço.
A afetividade é o sentimento
poderoso que faz mover as pessoas, procurando recordar e fazer recordar
momentos das suas vivências, simples ou complicados, alegres ou tristes, mas
que nos ficaram gravados para sempre na prateleira memorial das nossas
recordações.
Á agua e á ribeira está associada
uma das mais belas e vistosas tarefas que aqueles dois elementos nos poderiam
legar.
Da lavagem da roupa guardei
algumas recordações que vou partilhar convosco.
As lavadeiras.
Já vem de muito longe a minha
vontade de escrever sobre as lavadeiras do Lucefécit, como mais longínquo está
a minha recordação dessas mulheres que levantando-se de madrugada, partiam para
a ribeira carregadas com a canastra, recetáculo feito de canas, cheias de
roupa.
Para que a dureza das canas
calcadas com o peso da roupa, não molesta-se a cabeça das lavadeiras, estas
colocavam uma “rodilha” na cabeça e só depois é que carregavam as canastras.
O pego preferido situava-se acima
das “passadeiras” no chamado porto da Boa Nova, por ficar perto da Santuário,
cuja água corria quase todo o ano. Na sua borda colocavam lajes de razoável
dimensão, que denominavam de “pedras”,
anteriormente preparadas.
Por vezes havia alguma discussão
porque uma ou outra lavadeira chegando mais cedo, colocava-se numa “pedra” que outra tinha preparado.
Roupa havia de difícil lavagem,
entre elas estavam os cobertores, que para perderem a maior parte da água, para
uma melhor e mais rápida enxuga eram exprimidos. Duas lavadeiras pegavam nas
pontas desta peça de roupa e torciam-na até deitar quase toda a água nela
embebida.
Era necessário um grande esforço,
que compensava porque a secagem era mais rápida e quando da sua recolha a peça,
por vezes, já estava enxuta.
Peças de roupa havia que de mal
lavadas, anteriormente, encardiam. Nestas encontravam-se as camisas dos homens,
normalmente, de cor branca, as fronhas e lençóis e em certos períodos do mês,
as cuecas das mulheres.
E, para a lavagem destas peças
era necessário fervê-las. Assim surgem as “barrelas”.
Aquela roupa era metida em
recipientes de cobre com uma fornalha por baixo para o aquecimento da água, que
se levava até à fervura e misturada com cinza branqueava a roupa.
Talvez tenha cometido uma
imprudência, o não ter indagado o porquê da batida de alguma roupa, depois de
bem ensaboada, na pedra. Racionando
penso que a pancada da roupa, dada com alguma violência, exercia uma força
centrifugadora e expelia mais depressa a sujidade.
Ignoro se estou certo ou não.
A roupa menos difícil de lavar
depois de molhada, era ensaboada - em vila Viçosa houve uma fábrica de sabão: A
Sofal - e esfregada na pedra, depois
de enxaguada era posta a secar.
A roupa era estendida por cima
dos alandros, das atabuas e dos vimes, cujo colorido transmitia ainda mais
beleza á ribeira.
Recordo-me de várias lavadeiras e
do seu regresso á Vila, em fila indiana, de passo compassado a acusar cansaço,
que redobrava os esforços pelo peso dalguma roupa ainda húmida e dum final de
dia de trabalho.
Embora me recorde de muitas
lavadeiras, a Isabel Veladas, a Maria Joana, a tia Lobinha jamais se apagarão
da minha memória.
A tia Lobinha era a mais idosa e
a mais franzina. A canastra tinha metade da sua altura e para a descarregar
tinha que ser auxiliada por outra pessoa.
O ato de lavar era praticado de
joelhos que também assentavam em almofadas improvisadas com roupa velha.
Por vezes e, aqui, dependia da
disposição da lavadeira aparecia o cante, que se estendia ao grupo.
As canções eram aquelas canções
populares que se perpetuavam de geração, em geração.
Recordo-me de dois extratos de
duas canções que, ainda muito pequeno gravei na memória -
Era o vinho meu bem era o vinho / era a
coisa que eu mais adorava / só por ti, só por ti, só por ti /
só por ti o vinho deixava.
O outro pareceu-me que mais se
adequava ao ato praticado pelas lavadeiras -
Não quero que vás á monda, nem á ribeira lavar, só quero que me
acompanhes, ó meu lindo amor, no dia que eu me casar.
No dia em que eu me casar, ades ser minha madrinha, não quero que vás á
monda, nem á ribeira á sozinha”.
Claro que passados tantos anos já
perdi a certeza se eram assim os versos, mas para o caso não tem nenhuma
importância, o que aqui quis ou tentei testemunhar foi o esforço e a abnegação
das lavadeiras do Lucefécit, evidenciando, pela sua determinação e pela grande
impressão que então me causaram aquelas três.
Não podia, nem esta pequena
história ficaria completa senão vos contasse o que aqui e ali ouvi dizer.
No nosso despertar o que se fala
em segredo ou baixinho é o que nos aguça a curiosidade.
Heder Salgado
(Continua amanhã)
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