segunda-feira, 26 de novembro de 2012

MAIS UMA HISTÓRIA DO HELDER SALGADO

«Iniciamos hoje mais uma ficção do nosso colaborador Hélder Salgado.
Ao longo dos próximos dias iremos dá-la a conhecer aos nossos leitores habituais, colocando-a no final, já completa no Al Sul (http://alsul.blogspot.pt/).
Nesta ficção o Hélder Salgado tenta demonstrar-nos o que se passa actualmente na administração nacional e porque não na administração local.»


São Gens  - O único sujeito

A festa tinha decorrido no lugar mais bonito do concelho, quiçá do Alentejo e no imaginário de muita gente, que se dizia viajada, no lugar mais bonito de Portugal, outros ainda, fazendo alardes da sua experiência de viandantes pronunciavam-se pela Europa, outros denunciadores de certa alarvidade, diziam sem nenhuma propriedade, que aquele lugar era o mais bonito do planeta Terra.
Certo é que o rio do Prazer nunca deixara de correr. Corria tanto de Verão como de Inverno e o seu caudal não diminuía de intensidade nas estações intermédias.
O local era um verdadeiro paraíso por desvendar.
São Gens, o santo chegara ali novinho deixado pelos pais, que logo se aperceberam que o filho sobrevivia, naquele sítio, sozinho.
Entre duas altas rochas, no cimo da ravina mais alta, construíram-lhe uma choupana, cuja cobertura de esteva e piorno não deixava entrar a água da chuva.
São Gens, curioso, desceu a ravina e chapinhou-se com a água do rio do Prazer.
Sentiu uma estranha sensação e repetiu o gesto. Por instinto ou por magia mergulhou nas águas que apresentavam uma limpidez cristalina e sem nenhuma ondulação.
Mansa era aquela água que seduziu, como a donzela mais bonita e pura que alguém pudesse imaginar o menino São Gens, que sentiu pela primeira vez um calor humano diferente do materno.
Quando saiu da água, o jovem São Gens tinha à sua disposição um hábito que lhe chegava até aos pés e uma corda para apertar a vestimenta.
Sentiu-se iluminado.
Mirou-se e remirou-se.
- Sou um frade - gritou em voz alta.
O seu grito foi retornado, em eco, pelas ravinas sete vezes, que ele ouviu com enorme espanto, admiração e surpresa.
- Frade? E porque não santo? - Interrogou-se.
Que diferença faria a São Gens ser frade ou santo? Estando sozinho naquele paraíso terreste, até podia ser Deus.
Certo é que sentiu algo estranho, quando se banhou no rio e também o aparecimento da roupa, era mistério que ele não conseguia desvendar.
Interrogou-se mas não refletiu.
A sua idade ainda não lhe permitia grandes pensamentos, nem para isso tinha tempo, pois estava ainda a reconhecer o local.
Tentou descobrir a nascente e embora dela muito se aproxima-se não consegui chegar à sua origem.
Pombos bravos, torcazes e seixas, acompanhavam-no tentando afastar as pegas e os picanços. Curiosamente não se incomodavam com os pintassilgos, verdilhões ou com os rouxinóis, parecendo quer que estes cantassem para o São Gens, agora santo.
O jovem santo apercebia-se deste encanto e, mais se admirava ao descer o rio, com o contínuo coaxar das rãs e o cantar dos sapos.
Os choupos e as acácias tentavam dobrar-se para o cumprimentar e nem as silvas e os carapetos o picavam. O rosmaninho e os alandros intensificavam os seus cheiros, quando ele passava.
São Gens vivia um sonho encantador.
Não tinha preocupações com os alimentos pois o vale era muito fértil em fruta de todas as espécies.
Nesta espécie de paraíso foi crescendo São Gens.

(Prossegue amanhã)



1 comentário:

Carlos Damas disse...

Gostei de ler este maravilhoso texto do amigo Helder Salgado, um abraço.