Terça, 23
Outubro 2012 08:21
Confesso que atonitamente tenho assistido a um desfilar de
verbos por parte do governo, ou melhor, do ministro Gaspar e do PM que começo a
pensar que ou vimos todos o «5 prá meia-noite» durante o verão, ou o discurso
político passou a fazer uso dos verbos para justificar as complicadas ações ou
falta delas, incompreensíveis para o comum dos cidadãos… e até mesmo para
outros especialistas em
economia. Senão , vejamos. Em notícia de terça-feira passada
li assim: «O ministro das Finanças pediu hoje aos deputados do PSD e do CDS
para que estes apresentem propostas de corte na despesa pública entre 500 a mil milhões de euros
para “calibrar” o aumento de impostos. Uma nova palavra no léxico do governo
que falava antes em “mitigar” ou “suavizar” o aumento de impostos.». Mitigar,
suavizar e calibrar eis a sucessão cronológica deste pequeno dicionário.
Todos sabemos que o discurso é um dos instrumentos de trabalho
do político, muito para além de todas as questões filosóficas ou de análise do
discurso. Político é, ou tem sido, retratado e caricaturado a proferir
discursos, mais ou menos, inflamados. O uso da palavra que é dita para
convencer, aliás razão de ser da linguagem – a criatura fala para obter uma
resposta – é o seu uso mais corrente. Até mesmo quando parece limitar-se a
informar, nada mais se está a fazer do que tornar mais claras determinadas
ações ou o esclarecer o desenrolar de determinados factos. É na escolha das
palavras, ou da sua ordem nas frases, que o estilo se altera de emissor para
emissor, o que faz muitas vezes com que a mesma coisa, ou melhor conteúdo
idêntico, dito por diferentes emissores possa parecer outra coisa e convencer
em diferentes graus diferentes recetores. Normalmente quando as palavras não
correspondem às ações dos próprios ou às intenções para com os outros, e
sobretudo quando aplicado a políticos, temos o exercício do conceito de
demagogia.
Mas vejamos os três verbos usados pelos membros do governo
central a propósito da contrapartida às medidas que aumentam os impostos de uma
forma tão aterradora. Mitigar significa reduzir riscos ou minimizar efeitos.
Suavizar é, como se vê logo, tornar suave. Nem mais nem menos suave, é tornar
suave. Dois verbos quase poéticos, o primeiro, então, chega a ser musical. Já
calibrar me parece muito mais técnico, mais à altura do que é, afinal, o
ministro Vitor Gaspar, especialista em números e medidas com eles. Ora em
«calibrar» encontramos as seguintes definições: medir o calibre de; dar o
calibre conveniente a; adicionar ou retirar ar de um pneu para que a pressão
interna fique adequada; ajustar um equipamento para que ele funcione conforme
especificado. Das quatro definições não sei, muito sinceramente, ao que querem
fazer do aumento de impostos…
Medir o calibre ou dar o calibre conveniente ao aumento de
impostos, parece que é obrigação do ministro das finanças: saber o que fazer,
face às implicações do calibre das medidas propostas, até pela amostra dos
resultados na vida dos portugueses às que já foram implementadas nesta área. Já
a definição que tem a ver com ar de pneus me parece mais próxima do discurso
das gorduras do estado. Parece-me também é que esta como se diz na definição
terá a ver com “pressões internas”, e isto de resolver as nossas vidinhas é
muito mais difícil do que resolver a dos outros, claro. Resta o ajuste do
equipamento para que ele funcione conforme especificado. Será isto um sinal de
remodelação governamental, e calibrar é a senha que o das finanças enviou ao
primeiro? Tudo em linguagem clara, correta, sem que se lixem à mistura, porque
isso do lixarem-se não é verbo, é pena que quem anda a pagar estas medidas
sente muito bem na pele e nem precisa que lhe digam que é o que lhe estão a
fazer… Ficamos na dúvida.
Cláudia Sousa Pereira
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