quinta-feira, 28 de junho de 2012

AVÔ BABADO


A Joana é minha neta. Tem 13 anos e acabou de completar o 8º ano, na Escola El Rei D.Manuel I, em Alcochete com um 5 a todas as disciplinas.
Foi incentivada pela Professora responsável pela Biblioteca a escrever um E-book com a finalidade de ser presente a concurso nacional promovido pelo P.N.L. (Plano Nacional de Leitura) e subordinado  ao tema = Diálogos Imaginários  - Manuel da Fonseca - Alves Redol=
Foi-lhe ontem comunicado o resultado desse mesmo Concurso.
GANHOU O PRIMEIRO PRÉMIO.
Tenho ou não tenho motivos para me sentir um AVÔ BABADO!

AQUI LHES DEIXO  O LIVRO DA JOANA, FAZENDO VOTOS PARA QUE POSSA MAIS DIA MENOS DIA CONTAR AQUI NO AL TEJO COM A SUA COLABORAÇÃO

 Há que cantar!
 Manuel da Fonseca olha para baixo. Há muito que a sua alma de poeta vagueia pelo horizonte do Alentejo sua casa, moradia e agora eterno descanso. 
Hoje será uma nova etapa. Falará com Alves Redol, seu companheiro de protesto, através do futuro. Pois, como são homens a favor da inovação não pensem que mesmo no céu perderiam uma oportunidade tão grande. O futuro é melhoria e no ponto de vista deles, este depende muito de geringonças. E por isso ali está ele. 
Apesar de ter nascido em Santiago do Cacém, achou por bem ficar ali, em cima de uma árvore, ao pé da auto-estrada do Sul, donde poderia ver o pequeno espaço ao qual atribuíram o seu nome. Era dali que (na sua mente de realista) iniciaria o misterioso falatório através de uma certa caixa com câmara fotográfica e teclas com diversos símbolos.
A câmara pisca, no ecrã aparece uma janela e Manuel reconhece o rosto magro de Alves Redol.
- Raios partam esta geringonça! – Ri Manuel como se fosse sua obrigação demonstrar o quão achava manhosa a maquineta.
- Valha a verdade!
- Então Redol, apesar de estarmos no Além tenho que admitir que sinto inveja dos jovens. Se calhar os rebentos ainda estão em melhores mãos do que nós! – Disse mostrando os dentes alargando ainda mais a sua cara rechonchuda.
- Os pássaros nascem para cantar e estes têm-no bem afinado. Quem sabe se não fomos nós que lhes inspiramos o canto. – Disse Alves Redol, lembrando-se do seu vizinho Cuco.
Manuel da Fonseca pensa. Por momentos desconcentra-se do computador e pousa os olhos no céu. O seu pensamento divaga por sítios onde só a imaginação de um poeta pode chegar.
- A tal cantiga parece que se repete. Arrasta-se nas vidas daqueles que em breve sofrerão a miséria e prostrá-los-á a nu contra a fome. E depois, eles pisá-los-ão como que a avisar que possuem a omnipotência.
- Mau, o que está para aí a dizer? Não vem agora ao jeito estar para aí com coisas de poeta, por que da sua poesia pouco percebo. – Protesta Alves Redol, pois teme não ser capaz de seguir os pensamentos aos quais o seu colega se entrega.
- Digo com pena, que penso que estamos a voltar ao mesmo que há sessenta anos…
- O nosso passadio não tem nada a ver com esta gente! Fui torturado por possuir o que muitos não têm, ou queriam deixar na penumbra. A minha pura devoção, as acusações que escrevi para libertar essa pobre gente quase que não se davam ao luxo de poder inspirar os de hoje. – Grita enraivecido Alves Redol por tal comparação.
- Ora homem, então eu não sei disso? O que estou aqui a tentar dizer é que os tempos de hoje estão quase a tornar-se como um lúcido espelho do tempo que se vivia no nosso país… - justifica-se Manuel da Fonseca - Os meus olhos tornam-se escancarados como os das crianças quando penso nos corpos moles que não comem e que um dia tombarão. Talvez num futuro não muito longe iremos ver a terra portuguesa sem nada para dar aos seus escravos que são a gente que nela põe as mãos. A sombra vem, alastra-se, para um dia cair pesada por cima dos seus corpos e desferir-lhe os seus golpes, pisando-os até que implorem perdão por algo fictício.
- Sim, a sombra irá alastrar-se, mas a quem será posto o cargo de a denunciar?
Manuel pensou. Acabou por esboçar um sorriso e levantar as mãos.
- Você e eu desvendámo-la a partir das palavras, do que é nosso desde cedo, a língua portuguesa. Outros inspiraram-se nas tintas e nos pincéis para fazerem algo que, apesar do poder da escrita, nós não conseguimos.  
- “Apertado pela fome”… Grande quadro esse. É a imagem da dor que tivemos de esconder. Conhecias o Marcelino Vespeira?
- Quando andava por lá na imprensa, ele vivia lá para o Samouco. Vespeira, hã? Nome apropriado. – Revive Manuel da Fonseca.
- Atacava os cães da PIDE com mil agulhas, valha a verdade!
- Mas, depois de muito relembrar, não consegue pressupor que o truque da coisa não é tentar descobrir quem irá fazê-lo mas sim de que jeito? Com esta coisa – e aponta para o computador – e muitas mais, quem sabe o que irão magicar?
Alves Redol olha em redor pensativo. Agora o seu papel era observar o futuro da sua tão querida terra portuguesa como Manuel da Fonseca e, ao contrário deste, não se satisfaz por tal coisa.
- Você está contente por não fazer nada?
Manuel ri.
- Mas meu camarada de letras, você próprio o disse. Já lhe inspiramos o canto, agora eles têm de cantar! Não acha que o canto de só dois pássaros ia tornar as coisas monótonas demais?
- Ia ser curioso se ele cantasse… - Alves Redol fica pensativo e corre-lhe uma lágrima pelas covas da cara. Limpa-a com os nós dos dedos rijos e magros como que a castigarem-se por tal prova lhes ter escapado, pois esta podia perfeitamente gritar os seus pensamentos apesar de ele próprio não saber quais são, se felicidade ou nostalgia.
- Curioso? Estás a falar do teu pirralho? – Pergunta abalroado Manuel.
- O gaiato fez para lá em Vila Franca de Xira um Museu em meu nome. – E como que a falar sozinho deixou-se sentir orgulhoso mais uma vez – em meu nome… Como se um trapo como eu merece-se tal coisa…
Manuel da Fonseca respeitou o momento. Também ele sabe do seu gaiato, também o ama. Nunca poderá voltar para dizer-lhe isso, mas sabe que ele o sente. Alves Redol adivinha o que é que o seu companheiro pensa e também ele amaldiçoa isso. Partiu mais cedo que Manuel da Fonseca e já está naquela vida (se é que podemos chamar assim a morte) à mais vinte anos do que ele. Não pensem que é mais dado á teimosia, pensem sim que tem mais saudade dentro de si e que o seu orgulho rijo apenas não sabe como demonstrá-lo sem ser através da escrita, sua amada eterna.
- Mas ele já não o fez?
- O quê? – Pergunta apreensivo Redol por causa da pergunta inesperada de Manuel da Fonseca.
- Ele cumpriu com o seu dever e até contribuiu para algo que ainda não vimos. – Esclarece. - A possibilidade de a tal sombra ser morta e estropiada pela luz antes de a assombrar.
- Esperto, não é? Assobiou ao seu jeito.
De repente Alves Redol ri. Ri numa gargalhada pura que foi como um sinal de bom presságio para o mundo.
- Veja só e há-de reparar bem no que lhe vou dizer. – diz, como se fosse a continuação do seu sorriso – Nós os dois, ambos neo-realistas a conversarmos mortos. Um pouco surreal, não?
E Manuel juntou-se á gargalhada. A câmara fechou-se e soube-lhe bem acabar a sua conversa daquele jeito alegre que emanava o sorriso. Não podia dizer que esta fora a conversa mais trágica, mais emocionante que ambos já tiveram a oportunidade de partilhar, Alves Redol era da mesma opinião, nem de longe! Talvez para duas pessoas normais, mas eles … eram ambos poetas, cada um ao seu jeito, e possuíam o poder das palavras. Mas podia sim, dizer que esta conversa seria a que ele gostaria de mostrar ao mundo, pois nela eles discutiram o assunto que tentaram mudar, a causa pela qual tanto escreveram e sofreram. Mas agora o canto já não emergia na sua boca, fora dado aos de hoje para que também eles, ao seu jeito, possam alterar a coisa vaga e misteriosa que é o futuro. 

Joana Tátá

11 comentários:

Anónimo disse...

" Li, reli, voltei a ler" e fiquei
deslumbrada..
Procurei adjetivos para qualificar a Joana e surgiram alguns: "génio"
"prodígio" "talento" e muitos outros. Mas achei que todos eles eram
"menores" para qualificar o que estava a ver. Tens realmente motivos (para
além daqueles que todos nós avós temos) para teres muito orgulho na tua neta
e seres um avô babado. Dá por mim um beijinho de parabéns à Joana e faz-lhe
sentir como admirei o seu trabalho. "Força Joana".
Eu também tenho uma neta chamada Joana, que fez 10 anos na 2ª feira, dia 25.
Beijinhos para ti e para a tua mulher.

Lisette Alvarinho

Anónimo disse...

È claro que tens bastantes motivos para estares todo babado.
Vou tentar arranjar um babete para te oferecer.
Deve ser maravilhoso ter netos como a Joana, a quem mando um beijinho e faço força para não parar de surpreender.
Para os pais e avós um grande abraço de parabéns.
Luis e vitória

Anónimo disse...

Muitos parabéns, o texto está realmente muito bom.

Um abraço
Mário Freitas

Anónimo disse...

Qual será o avô que se não sente "babado" com tão "promissoras" escritas? Tens toda a razão.
É também um sentimento de orgulho, CLARO QUE É.
Ainda não li tudo...a hora vai longe...mas VOU LER TUDO CONCERTEZA.

Um grande beijinho á Joana e dizer-lhe apenas isto (da poesia popular originária do concelho dos avós):

APRENDE A LER...NÃO DESISTAS
EMPENHA-TE BEM A FUNDO
FICARÁS COM OUTRAS VISTAS
SOBRE A VIDA E SOBRE O MUNDO

Abraços

Tói

Anónimo disse...

parabens aos avos tal pai tal filha por tudo isto so pode ser mesmo um avo babado
Catarina Espadaneira

Anónimo disse...

Obs.


Como suponho que há uma enorme cumplicidade entre o Chico e a pequena Joana nos feitos e gostos literários, já não sei se hei-de dizer perante a leitura que fiz deste texto: "Tal avô tal neta ou tal neta tal avô..."

Em qualquer caso, parabéns por tanta criatividade em tão tenra idade.

Vai ser coisa de se ler e ver,a Joana, reaparecer dotada de um imaginário literário como este, daqui para o futuro.

Força,joana,voa voa,joaninha.


Abraço à familia


Anberbem

Camões disse...

Enviei ontem um comentário a dar os parabéns à Joana, mas pelos vistos alguma coisa correu mal pois não se encontra na caixa de comentários.

Vou tentar reproduzir...

Muitos parabéns Joana, com toda a certeza que Manuel da Fonseca e Alves Redol estão a sorrir para ti.

Quem sai aos seus...

Kabé

Anónimo disse...

Oh chefe ! Quem não se sente babado com uma netinha destas ! Parabens que a veja sempre em pleno exito. Bjsssssssssss
Constança Sousa

Anónimo disse...

Passara-me os papéis para a mão com um sorriso esboçado no canto do lábio superior direito e no mesmo instante, a minha cabeça começou logo a indagar as razões da sua insistência.
No entanto, aceitei com algumas reservas. Sentei-me, baixei o som da televisão e recolhi-me na leitura desses. Oa meus olhos, àvidos, percorreram todas as sílabas, palavras, frases e vírgulas. É que não eram uns papéis quaisquer. O que constava neles era uma bela "estória" narrada pela voz de uma poetisa. Essa "estória" não era igual a tantas outras a que nos habituámos a ouvir e ler nos manuais ou livros. Ela não começava com um simples "era uma vez...". Porém, o mais extraordinário da "estória" não era esta em si mas a sua narradora: uma menina com alma de poetisa.
Querida Joana, ler as tuas palavras foi como regressar a um passado que hoje, talvez pela distância, me parece subjectivamente difuso.
Sabes, é que também eu me iniciei por esta aventura da escrita com a tua idade. E assim sendo não posso deixar de me emocionar com a tua sensibilidade, na qual revejo parte da menina que um dia fui e ao mesmo tempo parte da mulher em que me tornei.
Aproveita esta tua imaginação e sonha, sonha muito, o mais que puderes, porque tu possuis algo que é formidavelmente especial: uma capacidade de expressão escrita pouco comum para a tenra idade. Aproveita-a e torna-a melhor todos os dias, porque existe sempre algo a aprender e algo magnífico por descrever. Como deves imaginar, pelas minhas palavras até aqui,não podia deixar de te felicitar não só por esta "estória" e pela tua vitória, como também por revelares Uma grande maturidade. Um achado difícil nos tempos não menos fáceis em que vivemos.
Muitos parabéns Joana, continua a escrever sempre.

Beijos.
Joana Camões Galhardas

Anónimo disse...

Joana

Depois de ler e reler a tua fascinante "estória" e, num gesto simbolicamente ancestral, tê-la contado a outros através da sua leitura, tive o grande prazer de te conhecer... ...estar com a autora e seu babado avô no café do Bacalhau em Montemor, onde brindámos ao magnífico prémio de escrita que arrancaste, a nível nacional (é bom que se diga, eu e o teu avô com umas "minis" e tu com um ice tea de limão... foi assim feito o brinde) e que é o trampolim para te converteres numa grande escritora da língua portuguesa, como sabes, hoje infelizmente muito mal tratada quer por responsáveis, quer por irresponsáveis (vem tudo a dar ao mesmo).
Grande ideia, essa a tua, de teres confrontado o Alves Redol e o Manuel da Fonseca através de um "portátil", coisa completamente estranha para dois "compinchas" do neo-realismo português, a quem a sombra bem tenta cobrir com os calhamaços tipo JRS..., felizmente sem êxito, pois Eles atingiram o paraíso da imortalidade onde nenhuma sombra pode entrar...
Memo sem portátil Eles deram o passo para o futuro!
Cabe-nos, a nós todos, imitá-los.

Obrigado pela teu Conto!
Parabéns pelo Prémio!
Felicidades para a tua escrita!

Um grande beijinho do
Luis Fernando Galhardas

Anónimo disse...

Olá Chico Manel:
A Joana deixou-me sem mais palavras.
Parabéns e felicidades.
Um abraço.
António Lalanda