Porque talvez a alguns lhes tenha passado despercebida a intodução, voltamos a repetir
Panfletos escritos geralmente em versos (sextilhas, septilhas ou décimas) - e que tratam dos assuntos mais variados. Estes folhetos caracterizam a nossa literatura de cordel.
Na sua grande maioria são romances que contam estórias com a intenção de entreter ou "versos de opinião", que criticam factos ou pessoas.
Os poetas contavam as suas histórias nas feiras e praças, muitas vezes ao lado de músicos. Os folhetos eram pendurados em barbantes (daí o nome Cordel) ou amontoados no chão, despertando a atenção dos transeuntes.
Os folhetos, confeccionados na sua maioria no tamanho 11x15cm ou 11x17cm e, em geral, impressos em papel de baixa qualidade.
Fonte: WiKipédia.
Pois o nosso colaborador e amigo Hélder fez-nos chegar alguns desses panfletos escritos e mandados imprimir pelo Poeta do nosso Concelho Joaquim Catita Guiomar.
Permitimo-nos chamar a atenção para um pormenor que não pode deixar de ser destacado:
Veja-se que no final do panfleto consta o celebre “ Visado pela Comissão de Censura “.
Pode assim a geração actual aquilatar da repressão que o Estado Novo submetia tudo aquilo que era escrito, não poupando inclusive simples versos de gente do Povo que muitas vezes encontrava o seu sustento vendendo de porta em porta os referidos versos.
Aqui lhe deixamos testemunho de alguns desses panfletos, assim como a redacção (para facilidade de leitura) dos versos inseridos nos mesmos.
"A VIDA E A MORTE"
MOTES
A vida é coisa tão bela
Todos devemos estima-la!
Ninguém deve, apesar dela
Ser ingrata, encurtá-la.
A morte é coisa tão triste
Porque ninguém sabe ao certo,
Se inferno no além existe
Ou se é tudo céu aberto.
I
Além dos cinco sentidos
Existe no ser humano
Um sentido soberano
De que alguns são protegidos.
Os poetas, os preferidos,
A classe que mais revela
A existência daquela
Profunda sensibilidade
Que afirmo com tal verdade:
A vida é coisa tão bela.
Temos medo de morrer
Só por sermos pecadores
E enfrentarmos os terrores
Que julgamos merecer.
Sendo impossível prever
A morte, e em que consiste,
Nem o mais forte resiste
À severa tentação
Da terrível exclamação:
A morte é coisa tão triste!
P'ra pôr termo à nossa vida
Só Deus tem autoridade
Que é com qualquer brevidade
Justa sentença cumprida.
Não deve ser submetida
Ao que possa arruiná-Ia
Mas sim, tentar conservá-Ia
P'ra que ela cedo não cesse,
Meditando o que merece
Todos devemos estimá-Ia.
Reparem que Jesus Cristo
A morte nunca temeu!
Tão grande .exemplo nos deu
P'ra tão poucos crerem nisto.
Por Várias razões insisto:
-Medo é pecado desperto!
Quantas vezes encoberto
Tantas almas perturbando
Imaginando onde e quando ...
Porque ninguém sabe ao certo.
Ver, ouvir, saborear
Os maiores prazeres da vida
E pretensão desmedida
Em mar de rosas nadar.
Aquele que sabe chorar
Tem mais amor e cautela,
Pela vida por quem zela
Ama-a com mais consciência
Contrariar a providência
Ninguém deve, apesar dela.
Para quê, tanto cinismo
Que se vê por esse mundo
Num mal já tão profundo
Onde reina o egoísmo.
Se nós, fieis ao Baptismo
Evitásse-mos o despiste
De colocar tanto em riste
P'rante Deus, nosso dever,
Não teríamos de saber
Se inferno no além existe.
Por vezes nos parecer
Que é falsa e ilusória
Porque nos furta a glória
Daquele constante prazer
Que gostaríamos ter
Talvez para destroçá-Ia,
Julgando saber amá-Ia
Por ideais excessivos
Pensando por meios nocivos
Ser ingrata, encurtá-Ia.
Por nós sermos racionais
De maior ou menor crença
Deve haver uma diferença
Entre os outros animais.
A alma, não terá mais
Que dar contas, longe ou perto,
Perante Deus, é mais que certo
Mas p'ra muitos ilusório,
Se é verdade o purgatório
Ou se é tudo céu aberto.
Autor: Joaquim Catita Guiomar
Todos os direitos reservados ao autor
(Visado pela Comissão de Censura)
1.000 ex. - 23-4-73 - A Nova Grafia - Almada - Tel. 2714 73
Reparem agora que os dois que se seguem não foram visados pela censura. Se repararem bem os mesmos foram escritos já depois de Abril de 74, como tal já havia sido abolida a mesma. Estou mesmo convencido que nunca seriam autorizados, e que se fossem descobertos o Autor iria correr sérios riscos.
ÉS JOVEM SOU REFORMADO
MOTE
" ÉS JOVEM,SOU REFORMADO,
TU TENS O MUNDO NA MÃO!
OLHA BEM O MEU PASSADO:
LUTA SEMPRE P'LA RAZÃO."
1
Fui bébé, cresci na esperança
D'encontrar um Justo Mundo,
No mesmo lodo me afundo
Ao regressar a criança!
Pois o Mundo só avança
Com esforço conjugado:
Velho e Novo,lado a lado,
Nunca perdendo noções
Da Lei das Compensações:
ÈS JOVEM SOU REFORMADO
2
A Vida é coisa Bela
Vista pelo lado Humano,
Mas, é sempre o desumano
Quem tenta dar cabo Dela
Não te sentes à janela
Que produz Falsa Visão,
Porque a imaginação
Não tem Limites nem estrema,
Para Moldar um Sistema
TU TENS O MUNDO NA MÃO.
3
A Chaga e a revolta
Que sinto dentro de mim
Me fazem sofrer assim ...
Sem conseguir dar a volta!
Pressentindo sempre a escolta
Dos tais "bufos" a meu lado,
Exausto, traumatizado,
Pisando chão inseguro ...
Cuida bem do teu futuro:
OLHA BEM O MEU PASSADO.
4
Jovem São, inteligente,
Nunca queiras ter preguiça
De lutar pela Justiça
E Bem-Estar de toda a Gente!
Curar um Mundo Doente
Sem "Varinha de Condão" ...
É p'ra uma Geração
Proeza preponderante:
A Luta é a Constante,
LUTA SEMPRE P'LA RAZÃO.
Ó JOVEM TOMA ATENÇÃO...
AO QUE OS TEUS ANTEPASSADOS
SOFRERAM POR MALDIÇÃO
DOS NOBRES E ABASTADOS!
QUE ACUMULARAM FORTUNAS
ROUBANDO SANGUE E SUOR
COM ARTIMANHAS GATUNAS…
PROMETENDO “ MELHOR”.
Joaquim Catita Guiomar – 1987
HÁ TANTA IDÉIA PERDIDA
MOTE
HÁ TANTA IDÉIA PERDIDA
HÁ TANTO CAMINHO ERRADO
HÁ TANTO MAL QUE À PARTIDA
PODIA SER EVITADO.
I
NO SEIO DUMA SOCIEDADE
IMUNDA DE PODRIDAO
QUE OSTENTA COMO PADRÃO
RACISMO E DESIGUALDADE…
TUDO' É DESUMANIDADE,
TUDO É ATENTADO A VIDA
TUDO É MISÉRIA ESCULPIDA
POR VAMPIROS E TUBARÕES...
POR ENTRE TAIS TURBILHÕES
HÁ TANTA IDÉIA PERDIDA.
II
HÁ TANTO DIHNEIRO A RODOS
COM TÃO MÁ DISTRIBUIÇÃO...
CONFORTO DE CASA E PAO
TUDO CHEGAVA P'RA TODOS,
POR CULPA DUNS TAIS ENGODOS
DE VENENO QUE É LANÇADO
AO POVO NÃO PRECATADO
P'RA CONSENTIR A DERROTA ...
TROCANDO O RUMO DA ROTA
HÁ TANTO CAMINHO ERRADO.
III
NÃO HÁ JUSTIFICAÇÃO
P'RA 'TANTA FEROCIDADE
DESSA DESUMANIDADE
... DOS "HUMANOS" QUE NÃO SÃO!
HÁ TANTA DETURPAÇAO
DA "SAGRADA LEI DA VIDA
QUE A -TODOS FOI CONCEBIDA
P'LA"SUPREMA NATUREZA":
EGOISMO DA RIQUEZA:
HÁ TANTO MAL QUE A PARTIDA •••
IV
PODIA SER CONVERTIDO
EM BENS PRÁ HUMANIDADE
EM PROL DA FRATERNIDADE
NUNCA TEM EXISTIDO
PORQUE HÁ UM MUNDO PERDIDO
DO SEU REAL AFASTADO,
DA JUSTIÇA DESFAZADO,
DO BEM, DA CURA E DA ARTE…
UM MAL QUE POR TODA A PARTE
PODIA SER EVITADO
1977
Joaquim Catita Guiomar
1 comentário:
Pois é. Era assim a censura.Era assim a PIDE que perseguia e torturava quem falasse um pouco mais alto. PIDE e informadores. Alguns hoje até se dizem grandes democratas, mas perseguiam quem para comer fizesse uns versos para vender e dar de comer aos filhos.
Admito opiniões diferentes das minhas, mas nesta exijo consenso: Desses tempos nunca mais.
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